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Lula quer pacto com Chávez sobre álcool

Tema será discutido na cúpula energética da América do Sul, daqui a dez dias; álcool foi alvo de ataques de Chávez e Fidel

Às vésperas de uma cúpula energética sul-americana na Venezuela, dias 16 e 17, e no meio de um tiroteio verbal do presidente Hugo Chávez contra o álcool (muito amplificado pelo cubano Fidel Castro), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva adotará o estilo “paz e amor”: defenderá junto a Chávez (Cuba não participa) o que seu assessor diplomático Marco Aurélio Garcia define como “pacto positivo”.

Tradução: nada de bate-boca ideológico com Chávez, que jura que a extensão de cultivos que geram biocombustíveis pode levar à fome no mundo, porque invadirá áreas hoje usadas para plantar alimentos.

O governo brasileiro acha o argumento -de Fidel como de Chávez- despropositado, mas não usará linguagem agressiva para demonstrá-lo. Ao contrário, Lula dirá que, na América Latina, o álcool, de que o Brasil é campeão tanto em produção como em tecnologia, é perfeitamente compatível com os combustíveis fósseis (leia-se: petróleo, de que a Venezuela é grande produtora e do qual depende a sua economia).

Os argumentos de Lula, antecipados por Marco Aurélio, tentarão demonstrar que os biocombustíveis são positivos sob qualquer ângulo.

São positivos para o ambiente, na medida em que reduzem a emissão dos gases do efeito estufa, que causam o aquecimento global, transformado em fantasma número 1 do planeta desde o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. São positivos também para enfrentar efeitos das políticas econômicas das últimas décadas, quais sejam a estagnação do emprego e a concentração de renda.

A tese de Lula, sobre a qual Marco Aurélio já produziu vários textos, é de que o plantio de cana (ou outros cultivos aptos para gerar biocombustíveis) ajuda a fixar o homem no campo ao lhe proporcionar emprego e por extensão renda.

O governo brasileiro confia em que Chávez será convencido, até porque era um entusiasta do álcool até faz pouco, como o demonstram três fatos, listado anteontem pelo jornal “Miami Herald”:

1 – Há apenas sete meses (agosto de 2006), a PDVSA, a estatal venezuelana de petróleo, assinou acordo com a Petrobras para o fornecimento a longo prazo de etanol como substituto para a gasolina.

2 – Mais recentemente, Chávez impulsionava projeto de cinco anos para plantar cerca de 700 mil acres com cana-de-açúcar para produzir álcool, com apoio técnico do Brasil e de Cuba. Quinze novas usinas de açúcar estavam no papel.

3 – No começo de março, antes, portanto, dos ataques de Chávez e Fidel ao etanol, Cuba e Venezuela anunciaram um acordo para construir 11 usinas de álcool na Venezuela, usando a experiência cubana.

Esse retrospecto leva à óbvia avaliação de que os ataques ao álcool por parte de Chávez e de Fidel se devem ao fato de o inimigo-mor de ambos, o presidente norte-americano George W. Bush, ter se associado ao sonho de Lula de usar o biocombustível para o que o brasileiro chama de “um novo momento para a humanidade”.

Ou seja, Chávez e Fidel estão usando o etanol como “combustível ideológico, quando deveria ser só combustível”, ironiza Marco Aurélio Garcia.

Ainda assim, Lula será cuidadoso com Chávez porque, na avaliação de seu assessor, o governo dele “é positivo para a Venezuela, qualquer que seja a análise que se faça do socialismo do século 21 ou de sua diplomacia”.

Banco do Sul

Mas os cuidados para não melindrar o verborrágico Chávez não impedem que o presidente brasileiro explicite sua frontal divergência com a rapidez com que o venezuelano quer pôr de pé o Banco do Sul.

O Brasil acha que o banco pode até fazer sentido, mas no marco de uma integração financeira mais abrangente, que inclua, por exemplo, estender a toda a América do Sul o mecanismo de desdolarização das trocas comerciais em implantação entre Brasil e Argentina. Ou mecanismos conjuntos contra ataques especulativos.

Para conter o ímpeto de Chávez em relação ao Banco do Sul, ficou combinado com o presidente equatoriano Rafael Correa, durante sua estada anteontem em Brasília, que ele, como economista que é, convocará ministros da Fazenda sul-americanos para reuniões destinadas a examinar o projeto de integração financeira, o que fatalmente levará ao adiamento do projeto do banco, que se transformou em menina-dos-olhos de Chávez.