O Brasil teve uma boa estréia como parceiro estratégico da União Européia, assumindo uma condição já alcançada pela Rússia, pela Índia e pela China. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva transmitiu as mensagens necessárias na reunião de cúpula, em Lisboa, e, em seguida, na Conferência Internacional sobre Biocombustíveis, em Bruxelas. Ele poderá inscrever essa viagem entre as mais úteis de seu governo, especialmente se aproveitar algumas lições desses dias na Europa. A mais importante ele tem recitado pela metade: o Brasil tem condições políticas e econômicas para ser um ator de maior peso na cena global. Essa metade não garante o ingresso na primeira divisão da liga internacional.
Ao oferecer ao Brasil o status de parceiro especial, a União Européia reconheceu, com toda formalidade, o peso e o potencial do País – aquelas condições proclamadas com insistência pelo presidente Lula, freqüentemente em tom de bravata. O peso econômico já torna o Brasil um interlocutor relevante em matéria de comércio. A reunião de Lisboa não poderia terminar, portanto, sem alguma referência à Rodada Doha de negociação comercial. Os dois lados, como era previsível, manifestaram o desejo e a esperança de ver concluída a rodada. Mais que isso, reafirmaram a disposição de mostrar flexibilidade para facilitar o acordo. Não anularam as dificuldades, mas contribuíram para manter o jogo em andamento.
Mas o presidente Lula não foi convidado para discutir uma agenda limitada, em Lisboa, nem para resolver uma pendência diplomática. O status de parceiro estratégico, na relação com a União Européia, envolve um papel internacional mais amplo. Esse papel cabe ao Brasil individualmente, e não como membro do Mercosul ou do Grupo dos 20 (G-20), e essa é a outra metade da lição. Assumir essa condição não implica renegar as alianças, mas impõe ao País uma consciência de suas peculiaridades, assim como dos objetivos e responsabilidades que o diferenciam.
O governo brasileiro tem sido, há alguns anos, incapaz de admitir que o Brasil tem interesses próprios, que nem sempre se confundem com os de seus parceiros sul-americanos e de outras áreas. Os governos da Índia, da China e da Argentina, apenas para mencionar alguns membros do G-20, têm assumido regularmente outra atitude, em todos os foros de negociação, incluída a Organização Mundial do Comércio.
No debate sobre o etanol e os biocombustíveis, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem agido, pela primeira vez em muito tempo, em nome de interesses que são antes de mais nada nacionais, mesmo que possam ser partilhados com outros países. Se tivesse mantido a orientação habitual da diplomacia petista, nunca teria reagido aos ataques de Fidel Castro, Hugo Chávez e Evo Morales ao programa brasileiro de combustíveis de origem agrícola. Teria procurado ajustar esse programa à pregação desses parceiros, da mesma forma como fez a indústria brasileira, mais de uma vez, acomodar-se às ações protecionistas da Argentina, ou assim como engoliu, no caso da Petrobrás, os desaforos do presidente boliviano.
Por seu excepcional apego ao programa dos biocombustíveis, o presidente Lula estava preparado para responder, em Bruxelas, à nova onda de ataques internacionais ao etanol, argumentando com informações claras e bem fundadas.
Mas é preciso ir muito além disso para assumir plenamente uma política baseada nas peculiaridades brasileiras. O ministro de Relações Exteriores da França, Bernard Kouchner, está certo ao dizer que os interesses do Brasil não se confundem com os do mundo pobre. A intenção de Kouchner, é evidente, é manter barreiras contra as importações de produtos agrícolas brasileiros e favorecer países da África, do Caribe e do Pacífico ainda sujeitos a relações semicoloniais com a Europa. Isso é inaceitável para o Brasil. Mas, para defender os interesses nacionais, o governo tem de admitir que são diferenciados e que o País não pode sustentar bandeiras em nome de todo o mundo em desenvolvimento.
É tempo de se trabalhar claramente com uma agenda compatível com o tamanho, o potencial e os objetivos da economia brasileira. É preciso incluir nessa agenda temas como a sustentabilidade ambiental e a atenção às condições sociais, cada vez mais importantes no comércio internacional e inevitáveis para uma economia com visibilidade cada vez maior.