Usinas de açúcar e álcool no Estado de São Paulo, maior produtor nacional, apressam-se para a adequação ao cronograma da legislação estadual que prevê a eliminação gradual da queima da palha da cana-de-açúcar, que deverá decretar o fim do corte manual da lavoura. A evolução das máquinas de corte tem colaborado no processo.
De acordo com a legislação, até o final de 2006, pelo menos 30 por cento da área de cana-de-açúcar no Estado de São Paulo deverá estar livre das queimadas realizadas para facilitar a colheita, principalmente manual. Até 2011, esse percentual sobe para 50 por cento da área, com previsão da eliminação total da queima para 2021.
O cronograma para o fim da queima é longo, mas pesaram na definição dos prazos, segundo o governo estadual, o respeito ao fim dos ciclos de produção da cana, de 5 anos cada, e a necessidade de reduzir o impacto social da dispensa de milhares de cortadores de cana (o corte manual sem a queima não é impossível, mas economicamente inviável e muito mais penoso para o trabalhador).
O cenário no Estado com relação ao tema é diverso, de região para região. Em alguns lugares, usinas ainda nem iniciaram a mecanização, e em outros a colheita já é realizada integralmente por máquinas, sem a queima do canavial antes do corte.
“Sabemos que teremos de parar (com a queima). Já temos planos para isso, mas é uma situação difícil”, afirmou José Afonso Furlan, diretor da Usina Santa Rita, do Grupo Diné, no município de Santa Rita do Passa Quatro, uma das últimas na região de Ribeirão Preto que ainda faz a colheita 100 por cento manual.
A usina emprega 1.400 cortadores de cana no período da safra. Em outra unidade do grupo, a Usina Maringá, em Américo Brasiliense, são mais 1.200 cortadores.
Furlan diz que o custo atual ainda compensa a utilização de cortadores, mas eles teriam de ser dispensados com o fim da queima. “Cortar manualmente sem a queima é inviável. Dificulta muito. O rendimento do trabalho cai pela metade.”
O encarregado por coordenar a queima na unidade, Raimundo Vilas Boas, lembra o aspecto social na questão. “A gente sabe que a queimada agride o ambiente, mas também tem o lado do emprego. Cada máquina que entra na lavoura elimina 80 vagas de cortadores.”
40 ANOS NO CORTE
Maria Aparecida Brandão, 55 anos, conversou com a Reuters durante mais um dia no trabalho de corte da cana já queimada na área da Usina Santa Rita. Essa tem sido sua profissão nos últimos 40 anos.
“Já dei entrada na aposentadoria, mas fiz isso minha vida inteira, desde os 10 anos de idade. Criei quatro filhos fazendo corte de cana”, afirmou a mineira, que migrou para São Paulo ainda jovem e vive em Leme, distante 70 quilômetros da usina.
O baiano Márcio Wandré trabalha no corte na mesma turma de Maria e também mora em Leme, cidade que concentra um bom número de trabalhadores. Márcio diz que costumava migrar da Bahia para São Paulo todos os anos, em época de safra, mas depois se fixou no Estado paulista permanentemente.
Segundo ele, muitos ainda migram do Norte para o Sul do país para trabalhar no corte de cana, já que não existem muitas pessoas localmente dispostas a realizar o serviço.
“Sei que as máquinas estão chegando. Uma hora ou outra o trabalho vai acabar”, afirmou, acrescentando que o corte remunerado conforme a produtividade lhe rende cerca de 800 reais por mês.
No lado oposto deste cenário estão empresas como a Usina São Francisco, de Sertãozinho. A colheita é realizada integralmente por máquinas, 5 ao todo, a última adquirida há poucas semanas por 790 mil reais.
De acordo com informações do Departamento Agrícola da usina, os equipamentos ficaram mais eficientes desde o início dos trabalhos com mecanização no local, em 1997. O corte hoje é muito mais rente ao solo, aproveitando a parte de baixo da cana, que concentra bastante açúcar.
A empresa também informou que uma parte dos ex-cortadores pôde ser aproveitada na nova estrutura, trabalhando no apoio à colheita mecânica ou mesmo operando as máquinas.