Mercado

Japão será principal importador em 2 anos

Principal produtor mundial de etanol, com 14,4 bilhões de litros, o Brasil enxerga o mercado externo com uma dose de maior otimismo em relação ao Japão, que poderá emergir como o grande importador de biocombustível, com um volume nada desprezível de 1,8 bilhão de litros anuais dentro de dois anos. O governo japonês já aprovou, em 2003, a mistura de álcool combustível à gasolina na proporção de 3%. Falta agora tornar o requisito obrigatório, o que poderá fazer parte da política futura para biocombustíveis a ser decidida em 2004.

“O Japão é o único programa totalmente voltado para a importação. Os programas dos demais países têm como preocupação a produção interna, para gerar emprego”, diz Eduardo Pereira de Carvalho, presidente da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica).

“O Japão é o mais promissor”, reforça Fernando Moreira Ribeiro, secretário-geral da entidade. É o segundo maior mercado consumidor de combustíveis automotivos e, como signatário do Protocolo de Kyoto, tem metas para atingir a redução de emissões que provocam o efeito-estufa. O uso do etanol seria uma estratégia interessante para o país, salienta Alfred Szwarc, consultor da Unica para a área de tecnologia e para a abertura de novos mercados. “Na Índia, Tailândia, China e no Japão existe uma tentativa de reduzir a dependência do petróleo e seus derivados da matriz energética”, diz Carvalho. Mais que isso, os japoneses têm “uma preocupação ambiental”.

O Brasil deverá enfrentar a concorrência de outros potenciais fornecedores para o Japão e a Coréia do Sul, como Índia, Tailândia e Austrália. Prevê-se que esses países emergirão como pequenos e médios exportadores na Ásia. A Coimex Trading, que desde o segundo semestre do ano passado formou com Mitsui uma joint-venture, a Coimex Energia, é um empreendimento que nasceu com a expectativa de atender o mercado japonês.

O vice-presidente executivo da Coimex Trading, Clayton Miranda, diz que a empresa está preparada para garantir o fornecimento de imediato. “Adquirimos 700 milhões de litros de álcool que estão em tanques nas unidades produtoras, aguardando uma melhor oportunidade de comercialização. O objetivo é atender uma demanda imediata por parte do Japão”, que consome 60 bilhões de litros de gasolina anualmente. Segundo Miranda, neste ano o governo japonês pretende fazer testes de campo em pequena escala em algumas rodovias do país. Exportações maiores poderão ocorrer a partir de 2005.

Embora a produção mundial de etanol tenha crescido 16% no ano passado, para 37,8 bilhões de litros, basicamente puxada pelos EUA, o segundo no ranking dos principais produtores, as perspectivas de ampliação dos mercados para as exportações brasileiras ainda dependem de vários fatores: a entrada em vigor do Protocolo de Kyoto (falta a ratificação pela Rússia); o caráter de obrigatoriedade da norma (“directive”) da União Européia de uso de 2% de combustíveis renováveis em transporte, em 2005, e de 5,75%, em 2010; a adoção de um programa compulsório no Japão, acompanhado de isenção de imposto; e a redução de tarifas (nos EUA e na Europa a proteção é alta, 14,20 centavos de dólar por litro e 10,1 centavos de euros por litro, respectivamente).

Tanto em relação aos EUA quanto à União Européia, “dependemos das negociações comerciais mundiais para a abertura de mercados”, salienta Carvalho, ao comentar o problema do protecionismo que o álcool brasileiro enfrenta. O Brasil exporta etanol para a Suécia, que tem um programa de mistura à gasolina, “mas paga tarifa”, diz Carvalho. “Daí o interesse nas negociações em curso na Organização Mundial do Comércio (OMC), na Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e entre o Mercosul e a União Européia.”

“O quadro externo é nebuloso”, diz um analista do setor de açúcar e álcool. “O Japão ainda não está definido, os EUA são um mercado enorme (consumo de 10 bilhões de litros anuais), mas protegido, e a Europa está entrando no setor com a intenção de gastar seu estoque de trigo e beterraba para o etanol e de canola para o biodiesel. Além disso, na China o governo deve aproveitar os estoques de milho. Na Europa, a “diretiva” é para biocombustível, o que não garante mercado só para o etanol, mas também para o biodiesel”.

A visão de Eduardo Carvalho “é de cautela”. É claro que existe potencial, se os exemplos que conhecemos frutificarem. Neste caso, estaremos falando num horizonte de três a quatro anos” para as exportações brasileiras ganharem mais impulso, prevê.

O potencial será enorme se os japoneses forem obrigados a misturar 3% de etanol à gasolina e se os europeus tiverem de cumprir a “diretiva” dos combustíveis renováveis, o que poderia implicar um consumo de 6 bilhões a 8 bilhões de litros em 2010, estima o analista. Ele prefere apostar em um mercado externo promissor, palpável, entre 2006 e 2010.

O mercado externo de álcool, no momento, é pequeno – de 3 bilhões a 4 bilhões de litros/ano, algo entre um terço e um quarto da produção brasileira, diz Szwarc. “Esse mercado ainda é constituído basicamente por álcool para uso industrial ou para bebidas. Uma pequena parcela, que aumenta lentamente, é de álcool combustível, um mercado spot, isto é, se alguém precisa, sai em busca”.

De acordo com estimativas da Unica, o Brasil está exportando na safra 2003/04, 850 milhões de litros, dos quais 680 milhões de litros para fins industriais, farmacêuticos e químicos e 170 milhões de litros de álcool combustível. Os principais destinos são o Japão e a Coréia do Sul, seguidos da América Central e do Caribe. O país exporta para Jamaica, Costa Rica e Barbados, lembra Eduardo de Carvalho.

Em sua avaliação, o Brasil ainda teria espaço para embarcar centenas de milhões de litros para aquela região se quisesse aproveitar inteiramente a janela de 7% do consumo americano, isto é, 700 milhões de litros que podem entrar nos EUA beneficiando-se de tratamento preferencial garantido por Washington no âmbito da CBI (Caribbean Basin Initiative). “Teríamos de ter instalações suficientes no Caribe para prover isso”, diz ele.

O problema é que os empresários condicionam os investimentos para construir instalações à garantia de fornecimento. Como os 7% são relacionados com o consumo, se este cai também baixa a exportação. Por isso, empresários do setor revelam certa resistência em montar fábricas no Caribe para desidratar o álcool, que se transforma em anidro e pode ser vendido aos EUA com isenção tarifária.

Brasil e EUA representam 70% da produção mundial de etanol. Portanto, a principal região produtora são as Américas (Colômbia e Guatemala também têm um programa), seguidas da Ásia (China e Índia). Esses dois países são o terceiro e o quarto maiores produtores mundiais.

De acordo com Christoph Berg, economista sênior da F. 0. Lichts, em palestra no World Ethanol Conference 2003, em Londres, a América Latina deve continuar na liderança da produção mundial de álcool combustível. Isso, segundo ele, pode ser explicado pelo fato de a produção de cana-de-açúcar ter um alto retorno na região. A expectativa é de que exista um grande fluxo de comércio da América do Sul para a América do Norte, particularmente para a Califórnia.

Berg também destaca um futuro fluxo comercial em direção à Ásia/Pacífico, região onde o Japão e, possivelmente, a Coréia do Sul, podem desempenhar um papel relevante. Além disso, segundo o especialista da F.0. Lichts, existe a possibilidade de um fluxo exportador da América do Sul para a União Européia. Os europeus podem se tornar importadores se as diretivas da Comissão Européia, o braço executivo da UE , forem implementadas. Vários países latino-americanos se beneficiam de isenção tarifária para exportar para a União Européia e eles estarão em posição privilegiada como fornecedores. Um terceiro fluxo exportador, segundo Berg, consistirá de álcool combustível do Brasil para o Caribe e de lá para os EUA. Essa modalidade de comércio continuará a existir, diz Berg, até que o Brasil goze de tarifa zero para o acesso ao mercado americano dentro da Alca.

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