O reajuste de 4% no preço da gasolina anunciado pelo governo não trouxe qualquer vantagem para a competitividade do etanol. Isso porque o aumento de 8% no preço do óleo diesel – importante componente no custo de produção do agronegócio da cana-de-açúcar, em virtude do elevado grau de mecanização da atividade — neutraliza qualquer benefício que pudesse ocorrer.
A verdade é que o congelamento artificial do preço da gasolina -conduzido nos últimos anos como medida de controle da inflação – trouxe uma série de prejuízos não só para as contas do setor sucroenergético como também para Petrobras, a economia do país, o meio ambiente e a saúde dos brasileiros.
Sem capacidade de produção e refino suficientes para atender a demanda interna, a Petrobras foi e continua sendo obrigada a importar gasolina e diesel a volumes cada vez maiores, com valores de compra no mercado internacional acima do preço de revenda praticado no âmbito doméstico.
Antes do reajuste, pelos padrões internacionais, o motorista pagava entre 15% e 20% menos, respectivamente, para gasolina e diesel, do que deveria pagar. Ou seja, mesmo com o recente aumento, a questão da paridade de preços entre mercado interno e externo não foi resolvida.
O intervencionismo no preço dos combustíveis é bom para o consumidor? Em um primeiro momento, em uma análise bem superficial, pode parecer que sim, mas uma avaliação mais apurada e criteriosa, que esmiúce todas as variáveis, mostra que a coisa não é bem assim.
Isso porque o desarranjo na importação de gasolina e diesel queima divisas do país e corrói o caixa da Petrobras, com impactos negativos no bolso de todos nós. Quando o dólar sobe então – o que vem acontecendo corriqueiramente – o quadro se agrava, contribuindo para pressionar ainda mais as contas da empresa.
O governo ainda permanece numa sinuca de bico, numa enrascada criada por ele mesmo, e agora não sabe como sair dessa. Subsidiou a compra de automóveis, elevando a necessidade de combustíveis, mas não se preocupou, não planejou, ou, ainda, ambos, com a capacidade de oferta.
Com a inflação em ascensão, e a água ainda batendo no pescoço da Petrobras, a equipe econômica se vê numa encruzilhada, entre optar não pela melhor solução, mas sim pela alternativa que seja menos pior. Alimentar o dragão da inflação por meio de mais reajustes dos combustíveis ou continuar a dilapidar o orçamento da Petrobras, os dividendos dos acionistas da empresa, o patrimônio do país, ou seja, o nosso, limitando-se ao ligeiro aumento feito.
Na órbita de todo este imbróglio, tratado como coadjuvante pelo governo, está o etanol e a reboque todo o setor sucroenergético nacional, o mais eficiente do mundo, e uma das cadeias produtivas mais importantes da economia brasileira. Senão, vejamos.
O segmento da cana-de-açúcar emprega, diretamente, 2,5 milhões de trabalhadores, reúne cerca de 400 usinas, 80 mil fornecedores e quatro mil indústrias de base, distribuídos em mais de 600 municípios, que produzem acima de cinco mil hectares de cana por ano.
Contudo, a política de subsídio à gasolina, entre outros malefícios, tirou consumidores do etanol, provocando uma desorganização acentuada de todo o segmento sucroenergético. Produtores de cana, especialmente pequenos e médios, estão sento expulsos da atividade e entregando suas propriedades a grandes grupos econômicos. O mais surpreendente é que isso acontece num país onde 85% dos carros que são fabricados são flex, e dentro de uma tendência mundial de aquecimento na demanda pelo uso dos biocombustíveis como aditivos à gasolina e o diesel.
Nas duas últimas safras, cerca de 44 usinas deixaram de moer cana, e se nada mudar, projeções dão conta que este número aumentará para 54 na próxima temporada. No período, 100 mil empregos foram extintos. E os números negativos não param por aí.
As indústrias do segmento não têm encomendas e trabalham a 50% da sua capacidade nominal, enquanto observam a consolidação dos produtores asiáticos. Soma-se a isso o triste cenário marcado pela total ausência de projetos de novas plantas, como demonstra a carteira de consultas do BNDES.
Abrindo um pouco o escopo, nos leilões públicos de energia o quadro também não é bom. O valor pago pela energia gerada pelo bagaço da cana é baixo, entre outros motivos pela falta de critérios técnicos no formato dos leilões, que misturam várias fontes de energia numa mesma operação. Além disso, não há valorização dos benefícios gerados por fontes renováveis e limpas, deixando-as em igual condição de disputa com as de origem fóssil.
Esta trágica conjuntura trouxe ainda outro problema ao provocar o recuo no índice de energia renovável do país nos últimos anos, o que compromete o ‘status’ do Brasil como uma nação credora em termos ambientais.
Ademais, mesmo com a redução do superávit nos estoques mundiais de açúcar, a oferta ainda é enorme e o produto que vinha sustentando o caixa do setor sucroenergético perderá fôlego financeiro para continuar pagando a conta.
O fato é que a ausência do setor sucroenergético nos planos estratégicos do governo denota, no mínimo, omissão das autoridades federais quanto aos riscos de sobrevivência que o segmento está correndo. São 40 anos de trabalho, desde o início do “Proálcool”, que estão escorrendo pelo ralo. Será que o governo quer o fim do etanol?
Diante deste quadro preocupante, a única certeza existente é que uma hora o ajuste na política de preços de combustíveis terá que ser feito de maneira estrutural, e não paliativa como agora. O governo sabe disso e disfarça. Importante é o governo definir de uma vez por todas qual é a matriz energética que deseja para o país e qual o papel do etanol neste modelo.
O setor sucroenergético não reivindica royalties, subsídios ou suporte oficial de prejuízos. O segmento quer única e exclusivamente um ambiente regulatório qualificado, com objetivos claros, segurança jurídica, mercado livre, criando assim um cenário com mais previsibilidade para tomada de decisão do setor privado e de investidores, hoje refratários.
* Cesário Ramalho da Silva é presidente da Sociedade Rural Brasileira