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Interesse em álcool combustível faz açúcar subir movido a especulação

BANGCOC, Tailândia — É um novo tipo de fissura por açúcar. Fundos de hedge e outros investidores estão apostando que, em breve, a demanda por açúcar vai aumentar porque, além de adoçar chocolates e tortas, o mundo vai usálo mais para produzir álcool, o combustível que países como os Estados Unidos também começam a ver como uma alternativa viável à gasolina. À medida que o preço do petróleo sobe, acreditam os operadores, a demanda por álcool — e açúcar — pode subir vertiginosamente.

Os preços do açúcar no mercado futuro já estão nos patamares mais altos em 25 anos. Depois de ser negociado a menos de US$ 0,10 por libra em grande parte dos últimos dez anos, o açúcar disparou na bolsa americana New York Board of Trade e ultrapassou US$ 0,19 a libra no início deste mês. Ontem, a cotação fechou em US$ 0,18 (o equivalente a US$ 19,93 por saca). “Todo mundo, e suas mães também, estão comprando açúcar branco agora”, diz Michael Overlander, diretor-gerente da Sucden U.K., uma corretora de commodities de Londres.

Em seu recente pronunciamento sobre o Estado da União, o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, também pediu mais investimentos em álcool para ajudar a reduzir as importações americanas de petróleo do Oriente Médio, embora seu plano tenha focado principalmente no uso de resíduos agrícolas (como talos de plantas e palha de trigo) no processo de produção, em vez da utilização de commodities como açúcar ou milho.

O entusiasmo do mercado com o açúcar cria um dilema que pode ser aplicado a outras commodities também, do milho ao óleo de palma e até à tapioca. Todos eles também podem ser usados para produzir álcool ou outros combustíveis alternativos, como o biodiesel (um combustível fabricado a partir de derivados de óleo vegetal). Agricultores de todo o mundo estão se apressando para aumentar sua produção em antecipação a um maior apetite global por combustíveis alternativos como esses.

De fato, no Brasil, que é o maior exportador de açúcar e líder mundial na produção de álcool, a produção de álcool combustível já absorve 52% de cana-de-açúcar do País, em comparação com 48% em 2003, de acordo com a Organização Internacional do Açúcar.

A cana-de-açúcar “passou gradativamente de cultura alimentar para cultura energética”, diz Pichai Kanivichaporn, diretor da Thai Sugar Millers Corp., uma produtora de açúcar da Tailândia, outro país que figura entre os maiores exportadores do mundo.

Grandes consumidores de açúcar estão no meio do tiroteio. Em uma teleconferência no mês passado, a fabricante americana de chocolates Hershey Co. antecipou “aumentos substanciais de custos de insumos” em 2006, e as ações da empresa da Pensilvânia caíram mais de 3%. A também americana General Mills, de Minneapolis, que tem entre suas marcas o sorvete Häagen Dazs, disse recentemente que espera que o custo das commodities agrícolas, incluindo o açúcar, fique cerca de US$ 25 milhões acima do que havia originalmente previsto no ano fiscal que se encerra em 31 de maio.

Porém, já que o mercado para o álcool combustível ainda não foi muito testado, é difícil saber por quanto tempo a demanda elevada vai durar, principalmente se o preço do petróleo baixar. No ano passado, o petróleo subiu cerca de 40%.

Com o aumento da produção de açúcar e álcool, há uma sensação de que estamos testemunhando uma “bolha” de açúcar, diz Leonardo Bichara Rocha, um economista da Associação Internacional do Açúcar, em Londres. Algumas altas de preços foram justificadas, já que a demanda tem crescido mais rapidamente do que a oferta este ano. No entanto, Rocha diz não achar que “o preço do açúcar neste patamar seja justificável” no longo prazo. Em parte porque a produção geral deste ano tem sido mais baixa do que o normal em alguns países, em parte devido ao mau clima. Mas se essa situação se reverter, os preços podem voltar ao equilíbrio, diz o economista.

Apesar do atrativo do álcool como meio de reduzir a dependência do petróleo, ele ainda compõe apenas uma pequena parcela do cenário energético do mundo. No ano passado, 3% do conteúdo total de gasolina vendido nos EUA era álcool, de acordo com a F.O. Licht, uma firma de análise de commodities de Ratzeburg, na Alemanha. Mas o consumo está aumentando rapidamente. Em 2005, o mundo produziu cerca de 36 bilhões de litros de álcool combustível, um aumento de quase 20% em relação ao ano anterior.

O álcool não é o único fator que impulsionou o preço do açúcar. O clima seco no Brasil e na Tailândia prejudicou a produção em dois dos maiores exportadores do mundo. E os furacões do ano passado destruíram uma parte das plantações nos EUA.

Mas alguns analistas acreditam que esse e outros fatores só justificam a manutenção dos preços do açúcar na faixa de US$ 0,12 a US$ 0,13 por libra. Uma grande parcela do restante da demanda, dizem os analistas, vem dos fundos hedge e de outros investidores especulativos que faturaram muito com o petróleo e outras matérias-primas em 2004 e 2005 e agora acreditam que o álcool vai transformar o açúcar na próxima commodity da moda.

Os quatro maiores exportadores de açúcar do mundo — Brasil, União Européia, Austrália e Tailândia — têm planos de aumentar a produção de álcool e de outros combustíveis alternativos nos próximos anos. Embora o açúcar seja um dos produtos agrícolas mais importantes do mundo, seu preço tem definhado nos últimos anos, em parte por causa do aumento da produção em lugares como o Brasil. Em 2003, a cotação chegou a cair abaixo de US$ 0,06 por libra.

Mas muitos analistas continuam céticos quanto à demanda por álcool no longo prazo. Se eles estiverem certos — e o álcool não atingir as projeções mais otimistas —, a forte alta dos preços do açúcar pode se reverter, prejudicando alguns dos fundos de hedge que estão entrando no mercado.

A maioria dos países ainda não tem a infra-estrutura básica necessária para utilizar o álcool. Mesmo com a alta do petróleo de hoje, o produto acabado freqüentemente exige grandes subsídios governamentais para concorrer com os combustíveis mais tradicionais.

Enquanto isso, com o preço do açúcar em alta, alguns produtores podem resolver realocar sua cana-de-açúcar para a fabricação de açúcar em vez de álcool — o que pode empurrar o preço do açúcar para baixo. Também não está claro se o açúcar será necessariamente a fonte mais importante para o álcool em todos os países com grandes empresas do setor de açúcar.

Na Tailândia, quarta maior exportadora do mundo, as autoridades pretendem substituir alguns tipos de gasolina comum por misturas à base de álcool até 2007. Líderes da indústria açucareira local estão pedindo que os agricultores aumentam a produção de cana-de-açúcar para cerca de 80 milhões de toneladas ou mais por ano até o fim da década, ante 45 milhões de toneladas ou menos na última safra, que foi prejudicada pela falta de chuvas.

“Acho que o preço do açúcar vai continuar subindo”, diz Chaiwat Kamkeankoon, um produtor de cana-de-açúcar da cidade de Nampong, no nordeste da Tailândia.

“Enquanto o preço do petróleo continuar aumentando no mundo, a demanda por um combustível alternativo como o álcool também será maior.” Mas muitas das novas usinas de álcool projetadas na Tailândia usam tapioca, não açúcar. E só poucas avançaram além da fase de planejamento.