Mercado

Inflação escapa da meta, mas "super-real" favorece 2006

A valorização do real, superior a 22% neste ano, provocou um efeito devastador nos preços por atacado e já é certo que a variação do IGP-M será inédita em 2005. O recorde de baixa do IGP-M, monitorado pela Fundação Getúlio Vargas, é de 1,78% em 1998. A expectativa do mercado para este ano é de IGP-M inferior a 1,5%, taxa que assegura outro resultado histórico – a maior defasagem entre IGP-M e IPCA em uma década.

A vertiginosa queda dos preços por atacado autoriza projeções de recuo importante dos preços administrados em 2006 e com repercussão positiva na atividade econômica.

Os IGPs ainda são os principais indexadores de preços de serviços que vão da conta de luz a contratos de aluguel. Gastos menores com serviços como energia elétrica e telefone farão diferença, portanto, nos orçamentos das famílias, assim como índice ao consumidor mais baixo fará diferença no rendimento real dos trabalhadores.

O resultado dessa combinação é perspectiva de consumo maior, o que significa contribuição mais expressiva da demanda doméstica na expansão da atividade que vem sendo ancorada, principalmente, pelas exportações nos últimos dois anos.

A alta de 0,75% do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em outubro surpreendeu o mercado na quinta-feira e minou a possibilidade de o Banco Central come-morar inflação no alvo de 5,1% definido para este ano.

“O alvo não será atingido neste ano, mas a inflação confirmará uma queda importante de cerca de 2 pontos percentuais de 2004 para 2005 e o salto do índice em outubro não compromete a busca de 4,5% no ano que vem”, afirma Elson Telles, economista-chefe da Concórdia Corretora. Telles calcula que o IPCA deve fechar 2005 entre 5,5% e 5,6%, ante 7,60% do ano passado.

NOVA ROTINA

Ainda que não atinja o objetivo do BC, a inflação menos comprimida tem um viés positivo: a perspectiva de queda do juro real que, neste ano, permaneceu em 13,50% durante meses mas com chance de encerrar dezembro abaixo de 12%.

O declínio pode parecer pífio, mas a taxa mudará de patamar e esse rebaixamento tende a ser acentuado no ano que vem, na leitura de operadores do mercado aberto, em função de cortes que podem ser maiores e com efeitos mais prolongados.

Os operadores levam em conta a decisão do BC de, a partir de janeiro, o Comitê de Política Monetária (Copom) se reunir a cada mês e meio e não mais a cada 30 dias como ocorre desde 1996, quando foi criado.

PREÇO DO QUEROSENE

O economista-chefe da Concórdia considera que a reversão da trajetória de queda dos preços de alimentos é um oportuno exemplo de recomposição de preços livres a uma situação de normalidade, o que reforça a expectativa de que a inflação do consumidor não tende a registrar repiques como em outubro.

“Tivemos uma concentração importante de aumentos de preços administrados. Ocorreram reajustes de transporte urbano em algumas capitais, o aumento da gasolina devido ao álcool e avanço das tarifas de transporte aéreo por causa do querosene. O querosene vem sofrendo influência do preço internacional do petróleo, embora a Petrobras tenha, inclusive, anunciado recentemente redução do preço em 13%”, diz Telles.

Anormal foi a sequência inédita de deflação por cinco meses consecutivos, acusada pelos IGPs que foram arrastados sobretudo pelos preços agrícolas – deflação capturada pelos IPCs, mas com menos ímpeto. O Instituto de Economia Agrícola (IEA) mostra que o cenário se reverte. Na primeira quadrissemana de novembro, os preços dos produtos agrícolas no atacado no Estado de São Paulo subiram 2,35%, após queda em outubro de 0,27%.

AJUDA DO ADVERSÁRIO

Nilson Teixeira, economista-chefe do Credit Suisse First Boston (CSFB), considera que as perspectivas favoráveis para o grupo de preços administrados, com peso de 30% no IPCA, justificam a redução do seu prognóstico de inflação para o ano que vem, de 4,8% para 4,6%.

“Os preços administrados são considerados historicamente um canal perverso de transmissão de rigidez inflacionária. Desta vez, porém, eles serão um efeito favorável e isso acontece pela apreciação da taxa de câmbio e também pela nossa expectativa de que os preços internacionais do petróleo permanecerão em patamar próximo a US$ 62 o barril em 2006”, comenta.

Nos cálculos de inflação para o ano que vem, o CSFB não inclui aumento de combustíveis por julgar que não haverá defasagem significativa e duradoura entre os preços internacionais e domésticos. A Petrobras faz reajustes sobretudo quando existe essa defasagem.

PREFERÊNCIA NACIONAL

O banco também trabalha com a perspectiva de estabilidade do preço do álcool em 2006 por acreditar que a oferta será ampliada a ponto de atender à demanda crescente. O consumo de álcool deve aumentar no próximo ano, considera Teixeira, em conseqüência da expansão da frota nacional de veículos com motor flexível, que aceita gasolina e álcool. Em outubro, lembra o economista, a participação desses veículos na venda total da indústria automobilística alcançou 67%, com a frota superando 1 milhão de unidades.

O prognóstico do CSFB para a inflação de 2006 – praticamente colada à meta central – também contempla a mudança na metodologia de cálculo de reajuste das tarifas de telefonia, que deve deixar de usar o IGP-DI como indexador e ser baseada no Índice de Serviços de Telecomunicações (IST).

“Trabalhamos com a premissa de que o IST será composto em 45% pelo IPCA e 55% pelo IGP-DI. Como acreditamos que o real depreciará gradualmente nos próximos meses, o IGP-DI tende a acelerar”, diz Teixeira.

O economista reconhece que essa mudança metodológica no reajuste de telefonia reduziria o benefício dos baixos IGPs sobre o IPCA em 2006. Ele acredita, contudo, que a adoção do IST tende a reduzir a volatilidade e a influência do câmbio sobre o IPCA em prazo mais longo, o que é positivo.

Angela Bittencourt é jornalista da Reuters e sua coluna é publicada diariamente para os clientes dos terminais Reuters 3000Xtra e Reuters Trader Latin America.kicker: A inédita seqüência de deflação acusada pelos IGPs deveu-se sobretudo aos preços agrícolas. Agora, o cenário se reverte

(Gazeta Mercantil/Finanças & Mercados – Pág. 1)(Angela Bittencourt é jornalista da Reuters e sua coluna é publicada diariamente para os clientes dos terminais Reuters 3000Xtra e Reuters Trader Latin America.)