Alguma coisa está mudando (para melhor) na política externa brasileira para a América do Sul. Isso parece efeito da nova parceria estratégica em torno do desenvolvimento do mercado do etanol entre Brasil e Estados Unidos.

A Cúpula Energética Sul-Americana, realizada terça-feira, na Ilha Margarita, na Venezuela, mostrou a virada. Alguns analistas enfatizaram o baixo resultado da reunião baseando-se no fato de que uma pauta extensa de discussões desembocou apenas na criação de uma comissão técnica para sugerir formas de integração energética e na adoção, em definitivo, da sigla Unasur (proposta venezuelana) em vez de Casa (proposta brasileira) para a entidade que cuida da união dos países da região. Para esses, foi pouco para espuma demais.

Mas esse encontro foi um sucesso, não pelo que saiu, mas pelo que deixou de sair. Lula afinal passou a aplicar o ensinamento de Che Guevara: Endurecerse, pero sin perder la ternura jamás.

O presidente venezuelano, Hugo Chávez, havia montado o evento com o objetivo de construir máquinas destinadas a reforçar sua influência na vizinhança. Pretendia sabotar projetos de biocombustíveis e criar duas entidades delirantes: o Banco do Sul e a Opep do Gás.

Semanas antes atacou os programas do etanol. Disse que, assim como tinha contribuído para enterrar a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), iria acabar com o alco – deformação verbal inventada por ele para ridicularizar a competição que o álcool começa a fazer à gasolina.

Em dobradinha com o presidente cubano, Fidel Castro, Chávez declarou que o plano do etanol é irracional e antiético. Acusou-o de prejudicar a produção de alimentos e, assim, de contribuir para o alastramento da fome no mundo para sustentar o estilo de vida dos ricos americanos.

O presidente Lula rebateu o argumento. Disse que ninguém destruiria plantações de feijão para plantar cana-de-açúcar.

O Bano do Sul é um projeto do presidente Chávez para institucionalizar influência sobre a vizinhança. Teria sede em Caracas e recursos desviados das reservas dos países membros, provavelmente para cobrir a irresponsabilidade fiscal dos governantes. O presidente Lula recusou o prato feito (na expressão do assessor para Assuntos Internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia) e exigiu que, antes de aderir, é preciso definir se esse banco tem a finalidade do FMI, do Banco Mundial ou do BNDES. Parece tersido o suficiente para desencorajar a aventura.

A tal Opep do Gás nem chegou a ser discutida. Na véspera, o chanceler brasileiro, Celso Amorim, tinha rechaçado a idéia. Disse que seria fator de divisão entre produtores e consumidores de gás, o que contrariaria a proposta de integração na região.

Finalmente, Lula aproveitou seu encontro com o presidente boliviano Evo Morales para dizer-lhe que, se fizer nova besteira com as refinarias da Petrobrás na Bolívia, a Petrobrás suspenderá novos invesimentos.

É atitude nova para um governo que, desde 2003, não fez outra coisa senão engolir desaforos, no pressuposto de que este seria o preço pela liderança. Lula parece ter entendido que liderança não se compra, simplesmente se impõe mediante a defesa dos interesses do Brasil. E isso é novo.