
Em entrevista ao site do JornalCana, a Secretária de Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Estado de São Paulo, Mônika Bergamaschi fala sobre entraves que impedem o crescimento do setor, como a falta de políticas públicas para o etanol, o mau aproveitamento do bagaço na cogeração de energia, as medidas paliativas anunciadas pelo governo até o momento, entre outros.
JornalCana: A senhora acredita que o etanol será uma questão estratégica para o país, conforme afirmou recentemente a presidente Dilma Rousseff?
Mônika Bergamaschi: O etanol já é uma questão estratégica para o país, apesar de não estar recebendo tratamento condizente por parte do Governo Federal.
Qual é o tratamento adequado?
A ciência já desenvolveu tecnologia para ampliar significativamente a produção de etanol, via aumento de produtividade agrícola e do rendimento agroindustrial, e de novos processos a partir de folhas e do bagaço da cana, cujo potencial existente de cogeração de energia elétrica é equivalente a capacidade de três Usinas de Belo Monte, mas para isso o tratamento deveria ser, de fato, o mesmo concedido às questões estratégicas.
Na prática, lamentavelmente, o que se vê está muito distante disso. A falta de uma política transparente de preços de combustíveis permitiu que, apesar das oscilações nas cotações do barril de petróleo, o preço da gasolina, na bomba, permanecesse estável por mais de seis anos. O resultado foi devastador para o etanol.
Qual o cenário atual do setor no estado de São Paulo?
Os custos de produção mais que quadruplicaram, mas a gasolina artificialmente estável deu teto aos preços ao consumidor, e a brutal perda na rentabilidade, agravada também por fatores climáticos, resultou no fechamento de 40 usinas, apenas no Estado de São Paulo. O golpe de misericórdia aconteceu, inacreditavelmente, no rescaldo da Rio+20, quando a CIDE – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico -, imposto que incidia sobre a gasolina, para valorizar as externalidades positivas do etanol, foi zerado, reduzindo ainda mais as possibilidades de competitividade do combustível. O cenário é ainda mais preocupante porque existem outras 60 usinas que enfrentam grandes dificuldades. Isso sem mencionar o reflexo em toda a cadeia produtiva, a montante e a jusante, com perda de empregos e fechamento de indústrias que produzem equipamentos para usinas, uma vez que os novos investimentos, nas condições atuais, são praticamente inexistentes.
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Quais medidas o governo do estado tem tomado para conter esta crise?
Na mão contrária e, de fato, tratando o etanol como questão estratégica, o governador Geraldo Alckmin, ainda no seu mandato anterior, no ano de 2003 reduziu o ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – do etanol ao consumidor para 12%, devolvendo competitividade ao consumo na comparação com a gasolina. Além disso, o governo paulista continuou investindo em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, lançando novas variedades de cana-de-açúcar, mais adaptadas e resistentes a pragas e doenças, aprimorando processos industriais, inovando na fronteira do conhecimento, e fomentando a cogeração de energia elétrica, com incentivos fiscais para investimentos no setor.
Qual a importância do setor na matriz energética brasileira?
Vital. Os produtos da cana são a segunda maior fonte de energia no Brasil, liderados em maior proporção pelo estado de São Paulo, face às políticas públicas implementadas no governo Covas/Alckmin. A cana é cultura extraordinária. O melhor é que é possível crescer com sustentabilidade. O Brasil tem tudo à mão. O etanol é aceito, os pontos de distribuição estão construídos.
Como o mercado de etanol pode se alavancar?
O recente aumento da gasolina anunciado pelo governo federal permitiu um aumento no preço do etanol na bomba, da mesma forma que o aumento da mistura de 20 para 25% de etanol na gasolina, e a esperada desoneração de PIS/COFINS no etanol também trarão reflexos positivos na rentabilidade do setor. No entanto são medidas paliativas.
O Brasil peca pela ausência de um planejamento para o setor de biocombustíveis. Uma política clara, definida, que traga segurança para atrair novos investimentos.
Quais metas devem conter este planejamento?
Este planejamento deve incluir o setor privado que é quem detém as áreas agrícolas, as agroindústrias e é o responsável pela manutenção dos estoques. Além do uso combustível existem outras infinitas possibilidades na alcoolquímica, inclusive para substituir a importação de derivados de petróleo, o que seria excelente também do ponto de vista da balança comercial e das contribuições para minimização das emissões de gases causadores do efeito estufa. Fundamental, portanto, será conferir transparência em políticas públicas a longo prazo, com metas definidas assim como acontece nos Estados Unidos e na União Europeia. Tão importante quanto isso é o retorno urgente da CIDE, que foi a forma transparente de adicionar valor aos aspectos positivos do etanol, a exemplo do que foi feito no governo Fernando Henrique, e que trouxe grande estímulo ao setor. Houve importante crescimento de oferta, e a perda desta política foi fatal. O retorno dela de forma consistente poderá significar a efetiva retomada do crescimento e de investimentos externos, como aconteceu nos idos de 2002/03.
O biocombustível “pegou carona” no reajuste do preço da gasolina e atinge valores recordes em todo país. Qual o principal motivo do ocorrido? Como combater a inflação?
Em condições normais, preço é resultado da lei de oferta e procura. No caso do etanol não é, ou não deveria ser diferente. Na entressafra, quando há menos produto disponível, o preço aumenta. É natural e necessário também que os custos de produção sejam repassados ao produto, caso contrário a vertente econômica do tripé da sustentabilidade não se sustenta. Além dos preços dos insumos, os custos também se elevaram em função de investimentos nas áreas social e ambiental. Quando o etanol não encontrou espaço para repassar estes custos, por competir diretamente com a gasolina, mantida a preços fixos, os reflexos em toda a cadeia foram significativos. O etanol é usado como aditivo na gasolina, melhorando a qualidade dela, reduzindo a emissão de gases poluentes. E é um dos, senão o único caso no qual o aditivo é mais barato do que o produto no qual é misturado para melhorá-lo.
Como resolver o problema da volatilidade do preço do biocombustível?
Do ponto de vista de mercados, há mecanismos disponíveis na BM&F, que quando estiverem um pouco mais maduros, com maior liquidez, permitirão que os preços mostrem menor volatilidade, trazendo maior equilíbrio e satisfação aos consumidores. Combater a inflação, sem prejudicar o crescimento, o investimento, o consumo, o crédito, é o desafio dos grandes estadistas, matéria sobre a qual nem ouso especular. Mas, uma coisa é certa, não há de ser permitindo que se evapore todo o esforço e conquistas do programa do etanol, que projetou o Brasil mundialmente, chamando a atenção de todos os países ao redor do globo.
Além de mercados, no que mais é importante investir para a retomada do setor?
É importante investir em qualificação de mão de obra, pois há necessidade de que seja cada vez mais especializada; em pesquisa, para que novos patamares de produção e produtividade sejam atingidos; em ganhos na eficiência dos motores, para que atinjam melhores performances, consumindo menos combustível. E é vital um programa de conscientização e comunicação, a fim de que as externalidades positivas do etanol e do setor sejam valorizadas, e que as pessoas não se limitem a falar em preços, emprego, renda, divisas. Produção com sustentabilidade. Isso é o que importa. Isso é estratégico! Mas dando adeus às ilusões, enquanto o agronegócio, especificamente o da energia renovável, não for prioridade, isso dificilmente acontecerá.