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Futricas do Olimpo

Depois de 6 meses, parte da intelligência brasileira, da classe empresarial e da mídia nacional e estrangeira ainda não digeriu o presidente Lula – apesar da pesquisa CNT/Sensus, que apontou queda de 78% para 77,6% na avaliação positiva do seu governo e com a qual ele pouco se importou.

Deglutido, Lula já foi – e teria mesmo de ser, após a convincente vitória eleitoral -, mas são claras as tentativas de jogá-lo contra a população pela via da maledicência, do ridículo, do folclórico e do disse-que-disse, armas usadas também pela mídia estrangeira por suas frases e jeito de ser. É inegável que ele está na berlinda no Brasil do homem cordial de que falava Sérgio Buarque de Holanda, no Brasil pessimista e radical que conhecemos e nos principais jornais do mundo. Ele é um pop star. Mas há quem torça contra.

Aqui, seu estilo transladado ao governo e sua autenticidade transferida ao cotidiano parecem ter o efeito de um tônico na alma de um país desigual e injusto, onde a incerteza, a queda na renda, o desemprego, etc., contaminam a cadeia produtiva e emperram o crescimento. Mas, à parte as análises sérias, erradas ou não, sobre o primeiro semestre de governo, de virtudes e defeitos, nota-se que a rede de intrigas contra o presidente se alastra, com participação de “amigos” e de adversários. Diga-se de passagem, aliás, que nem todos da oposição participam dessa rede de intrigas, pois, em palestras a executivos financeiros, o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan não se cansa de elogiar a política macroeconômica do atual governo, que chama de “pragmática, responsável e clarividente”.

Por enquanto, Lula traz um conceito de administração, um estilo de governar e uma forma de enfocar problemas desconhecidos pelos amantes do formalismo e da retórica – com brincadeiras e frases, em pílulas, apresenta planos e idéias, tem platéia cativa e permite-se até declarar que não está preocupado com vaias. O Brasil confiante lhe dá 46,3% de popularidade, índice entre ótimo e bom, ao qual se juntam os 40% indicativos de desempenho de razoável para bom, mas o Brasil pessimista confirma a tese de Eça de Queiroz, para quem todos nós somos mais rápidos para condenar que para absolver.

Em suma, ninguém é indiferente a Lula, haja vista as recentes declarações do argentino Nestor Kirchner, que o comparou a Menem e disse que ele “se aproximou demais de Bush e não ganhará nada em troca”. E acrescentou: “Vou jogar muito mais duro que ele.” Em lágrimas, patético, Anthony Giddens, um dos ideólogos da Governança Corporativa, afirma que “Lula pode mudar o mundo”, enquanto Tony Blair não vacila em assegurar que “o presidente Lula é o homem mais importante da América Latina” e apoiaria a candidatura do Brasil para membro permanente no Conselho de Segurança da ONU.

Na mídia estrangeira, destaque-se o outrora tradicional jornal inglês The Times, para o qual “Lula tem soluções simplistas e românticas para os problemas da desigualdade no Brasil” – e afirma que a abordagem do presidente sobre o fosso social que separa ricos e pobres foi “populista, um contagiante resmungo”. Com uma presença tão maciça na mídia e com tal lastro de popularidade, o presidente talvez se mostre autoconfiante ou surpreso, uma vez que pediu mais confiança em seu governo – “Não quero ser julgado só por 6 meses de mandato, pois tenho 4 anos e vamos contabilizar os resultados no final.” É preciso dar-lhe um pouco mais de tempo, até para que ele não

esqueça que nem sempre e nem tudo o que um governante faz “com o coração” beneficia obrigatoriamente o povo, e um governante não consegue tudo, como bem lembrou recentemente o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Além disso, a convicção dos que o elogiam sobre tudo o que ele e sua equipe farão ou deixarão de fazer em 4 anos, “com o coração”, pois redundará em melhor qualidade de vida para a sociedade, soa como aquele princípio que está na base do absolutismo do Estado e equivale à deificação do próprio governante.

Finalmente, lembremos que, em recente discurso na Confederação Nacional da Indústria, o presidente Lula disse que nem chuva, nem geada, nem terremoto, nem Congresso e nem Judiciário barrariam as reformas – “só Deus”, afirmou.

Deus está também no preâmbulo de nossa Constituição de 1988 – “sob a

proteção de Deus”, etc., – e em todas as outras, entre elas as que foram jogadas no lixo por militares e civis. E não seria um sertanejo experiente como Lula que se deixaria levar pelos elogios e pelas intrigas que o tornam, hoje, uma das personalidades mais festejadas do mundo.

Miguel Jorge é jornalista e vice-presidente de Assuntos Corporativos do Grupo Santander Banespa

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