Maria Letícia Bonatelli, especial para o Jornal da USP
Na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, cientistas vêm realizando estudos no sentido de compreender os mecanismos pelos quais o fungo Sporisorium scitamineum provoca a doença chamada “carvão da cana-de-açúcar”. O grupo de pesquisa é coordenado pela professora Claudia Bastos Monteiro-Vitorello, do Departamento de Genética da Esalq.
Quando uma planta é contaminada, há a produção de uma estrutura chamada “chicote” a partir do ápice da cana-de-açúcar, e é através dela que o fungo se dispersa e contamina outras plantas. “Essa estrutura [chicote] dá o nome de carvão da cana-de-açúcar à doença, pois os esporos do fungo dão aspecto de fuligem e se espalham no campo facilmente pela ação do vento, por exemplo”, explica a professora Patricia Dayane Carvalho Schaker, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, que realizou seu doutorado e pós-doutorado na Esalq.
Para infectar a cana-de-açúcar, o fungo consegue transpor o sistema de defesa da planta. Em recente trabalho publicado pelo grupo, o S. scitamineum parece ser capaz de deter as moléculas de imunidade da planta, além de colonizar os tecidos vegetais usando um arsenal de proteínas relacionado à absorção de nutrientes e de enzimas que quebram a parede celular da planta.
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Segurança alimentar ameaçada
As doenças e pragas na agricultura são fatores que podem comprometer a segurança alimentar dos países. Estima-se que 10% – 16 % da produção mundial seja perdida pelo aparecimento de patógenos, segundo estudo publicado por pesquisadores da Austrália e Reino Unido.
Atualmente, o carvão da cana-de-açúcar encontra-se distribuído em quase todos os países produtores de cana, incluindo seu centro de origem, em Papua-Nova Guiné, na Oceania. A doença tem aumentada a sua incidência nos últimos anos. “As condições ambientais associadas às mudanças climáticas têm favorecido o desenvolvimento do carvão da cana-de-açúcar. No Brasil, a colheita verde da cana também é considerada um fator de risco, mantendo a incidência da doença em níveis mais elevados”, explica Claudia Bastos.
O foco de estudo do grupo é entender como se dá a interação entre o S. scitamineum e a cana-de-açúcar. “No caso dessa doença, o interesse é grande, pois esse fungo manipula o metabolismo vegetal e o desenvolvimento normal da planta para produzir a sua própria estrutura de reprodução”, ressalta a professora.
O fungo S. scitamineum se nutre das células vivas do hospedeiro e, apesar de produzir sintomas da doença, a planta sobrevive – porém, com desempenho menor que as plantas sadias.
Durante a sua pós-graduação na Esalq, a professora Patrícia estudou a mudança do metabolismo da cana-de-açúcar quando infectada pelo fungo. “Verificamos que, desde as primeiras horas de infecção nas plantas, altera-se a expressão de genes relacionados às vias de florescimento. E esse padrão se perpetua até 200 dias após a infecção, quando as plantas já emitiram chicotes. Vários desses genes simplesmente não são expressos em plantas sadias, indicando que a presença do fungo sinaliza para que a planta ative as vias de desenvolvimento floral, o que permitirá, de forma indireta, a sobrevivência do fungo e a sua perpetuação no campo”, explica Patrícia Schaker.
Já as variedades de cana-de-açúcar que são resistentes à doença conseguem responder muito mais rapidamente à presença do invasor, e de uma maneira muito mais agressiva. Plantas resistentes conseguem reagir através de uma forte explosão oxidativa, produzindo e liberando rapidamente água oxigenada, composto que é tóxico ao fungo, além de reduzirem a atividade de enzimas antioxidantes. Esses resultados foram publicados e indicam que, em conjunto, essas medidas retardam ou prejudicam a proliferação de fungos.
A relação entre cana-de-açúcar e carvão é complexa e um dos próximos passos do grupo é a realização de testes em uma planta-modelo, como Arabidopsis thaliana, para compreender como o carvão manipula o metabolismo da cana-de-açúcar para emissão do chicote. Parte dessa pesquisa será realizada por Claudia Bastos Monteiro-Vitorello na Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. Tanto para a compreensão de um modelo de interação patógeno-planta, quanto para a busca de melhor manejo em campo, o estudo do fungo do carvão da cana-de-açúcar traz desafios e oportunidades para os cientistas e a professora Claudia diz que seu laboratório está de portas abertas para alunos que topem esse desafio.
Mais informações: e-mail [email protected], com a professora Claudia Bastos Monteiro-Vitorello do Departamento de Genética da Esalq