Mercado

Fundos inflam preços agrícolas

A forte entrada do dinheiro dos fundos de investimento nos últimos dois anos nas bolsas que negociam produtos agrícolas deu novo impulso aos preços da soja, milho e açúcar, entre outros. Mas, passada a euforia inicial, analistas começam a avaliar os impactos negativos que tal situação pode provocar nos mercados.

Em segmentos como o da soja, um dos principais itens da pauta de exportação do Brasil, os preços internacionais não refletem o que se passa no mercado, o que pode, em tese, provocar alterações importantes na produção e no consumo. André Pessôa, analista da AgroConsult, especializada em agronegócio, diz que, considerando a quantidade de soja disponível no mercado mundial, a cotação atual do produto deveria estar mais baixa.

Na principal Bolsa onde o grão é negociado, a de Chicago, o preço está em cerca de US$ 6 por bushel, ou US$ 220 a tonelada, quando valores entre US$ 165,3 e US$ 183,70 seriam mais realistas, diz. Os fundos criaram uma onda suficientemente forte a ponto de o mercado ignorar os fundamentos, afirma.

Com preços mais altos, os produtores poderiam ser estimulados a plantar mais soja nos Estados Unidos e na Argentina, primeiro e terceiro maiores produtores do mundo. Nos EUA, a preocupação é coerente nesta época, já que os agricultores se preparam para definir as áreas de plantio da chamada safra de primavera e têm como opções soja, milho, trigo e algodão.

No Brasil, segundo maior produtor, o câmbio atual inibiria um aumento da área plantada, mas ainda assim o País seria prejudicado com o excesso na oferta mundial. O que o mundo menos precisa agora é de mais soja. Os estoques nos Estados Unidos estão entre os maiores da história, diz André Pessôa.

Michael McDougall, vicepresidente sênior da Fimat USA, em Nova York, tem a mesma opinião: O grande fluxo de dinheiro para os mercados de commodities envia um sinal falso, que pode provocar aumento na oferta e queda no consumo. No caso do açúcar, embora os fundamentos sejam muito positivos (há uma forte demanda por álcool, o que reduziria a oferta de açúcar produzido a partir da cana), os preços estão tão altos que podem trazer antigos produtores de volta ao mercado. A cotação do produto registra aumento de mais de 100% nos últimos 12 meses na Bolsa de Nova York.

Os analistas concordam com a influência dos fundos no mercado, mas se dividem quanto a chamar o atual cenário de bolha especulativa. A bolha existe, o problema é saber quando ela vai estourar, afirma Pessôa. Os fundamentos vão falar mais alto em algum momento.

O estouro vai acontecer quando os fatos forem tão negativos que será impossível ignorá-los, o que vai gerar medo nos investidores. Mas isso pode demorar. A análise do momento é que há um cenário de incerteza muito forte, diz.

Jack Scoville, vice-presidente do Price Futures Group, de Chicago, pensa diferente. Há uma tendência de preços em alta de longo prazo, afirma. E explica: a demanda por produtos como os grãos é forte e deve continuar assim, puxada pela economia aquecida de países como Índia e China.

Independentemente do mal que possa causar no futuro, o dinheiro dos fundos tem sido bem-vindo no presente. Embora reconheça os aspectos negativos a médio e longo prazos, McDougall, da Fimat, ressalta que, agora, os fundos estão ajudando a injetar dinheiro na economia mundial.

No caso da agricultura, houve certa proteção da renda do produtor, quando não um aumento substancial em alguns segmentos. Nos EUA o aumento dos preços do milho, fomentado pela indústria de álcool e pelos fundos, fez a renda dos produtores de milho aumentar em US$ 6 bilhões em 2005, segundo a Associação dos Fabricantes de Combustíveis Renováveis (RFA).

André Pessôa reconhece que, apesar de o principal problema do produtor brasileiro hoje ser o câmbio, não fosse essa distorção os produtores estariam em condição muito pior.