Os carros bicombustíveis devem rodar apenas com um combustível. Segundo mecânicos ouvidos pela Folha, os flexíveis que usam ou só álcool ou só gasolina têm menos problemas que os abastecidos com a mistura.
Lançado há dois anos, o sistema é usado por seis montadoras e representa 32,8% do mercado. Os carros estão se adaptando a como cada motorista dirige e às misturas de combustíveis. Já o consumidor ainda não sabe como evitar gastos prematuros com peças.
A antecipação da troca do filtro de combustível é o fato mais comum. Para fugir das conseqüências que um filtro entupido pode acarretar, como a queima da bomba de combustível, a Volkswagen, por exemplo, baixou a troca de 15.000 km para 10.000 km.
“É uma questão de marketing. Uma fábrica não pode indicar a troca a cada 5.000 km se a concorrente fala em 20.000 km. O uso define a quilometragem ideal”, diz o mecânico Rafael Carmine Cecere.
Para o preparador de motores Gilberto Perrella, o grave é que as fábricas não avisam que o carro com os dois combustíveis não pode ficar parado mais de quatro dias, já que a mistura se separa.
“O álcool é hidratado, e a mistura tende a se separar. Quando se dá partida, a água sai primeiro [veja gráfico].” Engordurada, a água entope os filtros, obstrui os bicos injetores e deixa “maluco” o módulo que lê o combustível.
Economia ilusória
A diferença de preço dos combustíveis tira qualquer dúvida: o motorista enche o tanque com “cana-de-açúcar”, principalmente em São Paulo. O álcool custa R$ 1,043; a gasolina, R$ 2,165.
Márcio Ferreira, da Check-up, diz que é preciso cautela. “Vários postos, principalmente no interior do Estado, compram diretamente do usineiro, e há o pó do bagaço da cana.” Trata-se de um pó fino, parecido com talco, que impregna o pré-filtro da bomba de combustível e o próprio filtro.
Cecere indica trocar o filtro a cada 5.000 km, em especial no uso de álcool. A obstrução é prematura, e, para evitar formar borra, recomenda um tanque de gasolina a cada 5.000 km rodados com álcool. “Quando a gasolina acabar, volte para o álcool. A borra tende a diluir, e o filtro dura mais.”
Além disso, o álcool consome mais -e essa é outra reclamação comum. A historiadora Joelza Rodrigues não aceita o quanto seu Volkswagen Fox 1.6 “bebe”. Segundo seus cálculos, roda 6 km/l com álcool e 9,2 km/l com gasolina. Teste da Folha mostra que o Fox faz, na cidade, 7,5 km/l e 10,2 km/l, respectivamente.
O engenheiro Fábio Ribeiro Conceição tampouco está satisfeito com seu Fox. Na retirada da revenda, o veículo teve dificuldades para dar a partida. “Um funcionário justificou que é desaconselhável usar 100% de álcool.”
Conceição reclama de que o motor oscila em marcha lenta, além da dificuldade de partida em dias frios. “A desculpa da VW é que isso é característico do carro e que tenho de me acostumar.”
O problema é que um carro flexível não consegue manter a média de um monocombustível. Para queimar os dois, as montadoras criaram uma taxa de combustão intermediária. Mas elas estão aprendendo: a Peugeot, a última a entrar no segmento, manteve o valor usado no motor a gasolina.
Cuidados
Outra orientação de Cecere é fazer a limpeza dos bicos injetores a cada 15 mil quilômetros. “O respiro do motor arrasta óleo, contaminando o corpo da borboleta e o coletor de admissão.” Conseqüência: os cilindros falham, há perda de potência, e o motor hesita a dar partida quando frio.
Os injetores só receberam tratamento químico para suportar o álcool, mas oxidam por causa da água. As fábricas mantiveram o tratamento anticorrosivo nos injetores, mas a ponta deles fica exposta no duto de admissão.
Também é preciso cuidado com os produtos que prometem acabar com esses problemas. O administrador Nelson Garbujo usou um aditivo em seu Chevrolet Corsa 1.8. Depois de cerca 5 km, ouviu estouros e sentiu falhas na marcha lenta, o que travou as válvulas.