Líder cubano escreve segundo artigo em menos de uma semana criticando a aliança entre Bush e Lula. O convalescente líder cubano, Fidel Castro, voltou a criticar ontem em editorial o plano “genocida” do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, de produzir biocombustíveis a partir de alimentos, e criticou o encontro no último final de semana entre Bush e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Camp David, nos EUA.
Fidel, de 80 anos, transferiu o poder há oito meses para seu irmão Raúl Castro depois de ser submetido uma operação intestinal. Desde então ele não é visto em público.
O texto de mais de 2.200 palavras, publicado pelo jornal Granma, do Partido Comunista, que governa o país, parece ser mais um sinal da recuperação do líder cubano.
Os EUA querem usar o biocombustível, produzido a partir de alimentos como trigo e milho, para reduzir em até 20% o consumo de gasolina até 2017. “Bush (…) declarou sua intenção de aplicar esta fórmula em nível mundial, o que não significa outra coisa a não ser a internacionalização do genocídio”, escreveu Fidel.
“Esse uso colossal de cereais para produzir combustível (…) serviria somente para os países ricos economizarem 15% de seu consumo anual de automóveis vorazes”, acrescentou o texto do comandante.
Este é o segundo editorial de Fidel contra a política norte-americana de biocombustíveis em uma semana. No dia 29 de março, o líder disse que os planos de Bush ameaçam de morte mais de 3 bilhões de pessoas. “De onde os países do Terceiro Mundo vão tirar recursos mínimos para sobreviver?”, perguntou Fidel no artigo.
O líder cubano deixa claro que não quer prejudicar o Brasil, mas afirma que “ninguém em Camp David explicou de onde sairá o milho e outros cereais necessários para saciar a demanda de etanol dos EUA”.
Lula e Bush assinaram em março, no Brasil, um plano de cooperação para promover o uso de biocombustíveis.
No texto intitulado “Reflexões do Comandante”, Fidel fala de outros temas. Ele responde, por exemplo, às críticas de um assessor de Bush que acusou Fidel de deixar os cubanos famintos, depois que o líder fez as primeiras críticas aos planos de biocombustíveis. “Me vejo no dever de recordar-lhe que o índice de mortalidade infantil em Cuba é menor do que nos EUA”, escreveu.
Fidel criticou também a guerra dos EUA no Iraque e advertiu sobre o perigo de um ataque ao Irã. O futuro de Fidel continua sendo uma incógnita e não está claro quando ele reaparecerá em público.
Alguns analistas especulam que ele poderá deixar a política interna nas mãos de Raúl e tratar dos grandes temas globais, como o meio ambiente e os desafios do subdesenvolvimento.
Resposta
O governo brasileiro tratou de defender a política de biocombustíveis criticada por Fidel. “O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é um obcecado pelos biocombustíveis e não deixará de apregoar os benefícios das energias renováveis”, disse o assessor de política externa de Lula, Marco Aurélio Garcia, em resposta a recentes críticas feitas por Fidel.
“Está havendo uma certa incompreensão na medida em que a posição que o presidente (Fidel) Castro tem defendido é que a produção de biocombustíveis criaria problemas para a produção de alimentos”, afirmou Garcia a jornalistas.
“No caso brasileiro e de todos os projetos aos quais estamos nos associando não é essa a realidade”, acrescentou.
A assessoria de imprensa do Ministério das Relações Exteriores (MRE) reiterou as declarações do chanceler Celso Amorim em relação ao primeiro artigo de Fidel, na semana passada, quando o ministro brasileiro minimizou as declarações do líder cubano ao dizer que “cada um tem liberdade de expressar sua opinião, mas não acredito que tenha dito nada contra o governo brasileiro”.
“Amorim reafirmou que o biocombustível está aí para ficar e a visão de Fidel está equivocada”, informou o MRE. “O êxito do etanol será mostrado na prática”.
O Brasil é pioneiro mundial no desenvolvimento de álcool a base de cana-de-açúcar, e Lula acaba de assinar um acordo com o presidente Bush, para ajudar países pobres a desenvolver a produção e a indústria de biocombustíveis.
O País também firmou acordos para impulsionar a produção de álcool e biodiesel com vários países da América Latina, entre eles a Bolívia, e acrescentou o Equador a esta lista.
O presidente equatoriano, Rafael Correa, visitou ontem Lula em Brasília e anunciou que é “decisão do governo do Equador apoiar o desenvolvimento dos biocombustíveis” em parceria com o Brasil.
Perguntado sobre críticas feitas pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez, ao programa brasileiro de álcool, Garcia disse que “entendíamos até pouco tempo atrás que a Venezuela estava interessada também na produção de álcool e biocombustíveis… não sei se mudou”.
Após assinar um acordo de longo prazo de compra de álcool com a Petrobras, a Venezuela deve figurar este ano como um dos principais mercados externos para companhia brasileira no biocombustível.
O assessor de Lula disse ainda que “não queremos transformar o problema do álcool num problema ideológico”. “O presidente Lula é um obcecado pelos biocombustíveis, não vai ser agora que vai deixar de fazer propaganda disso”.