Alguns empresários brasileiros estão acordando para o imperativo de investir em pesquisa e inovação, largando as tetas do Estado promíscuo e da natureza não mais ubérrima. Precisam apressar-se, porém, e modificar hábitos de leitura. Além de revistas ultraeditorializadas, devem buscar um mínimo de informação objetiva, para variar, em periódicos científicos.
O usineiro de álcool talvez desdenhe o conselho. Nada perderia se passasse os olhos pela edição de anteontem da “Science” e topasse com o artigo “Projetando Maquinaria de Transcrição em Levedura para Produção e Tolerância Incrementadas de Etanol”, de Hal Alper e outros quatro autores do MIT e da Universidade de Tecnologia de Berlim. Ao contrário, sairia com minhocas novas na cabeça.
Alper e companhia empregaram alta biotecnologia para imitar o processo de evolução. Queriam chegar a uma levedura mais eficiente para fermentar açúcar e produzir álcool. Um fator limitante do processo é a intolerância do microrganismo ao etanol que ele mesmo produz -quando esse álcool ultrapassa certa concentração-, e foi aí que se concentrou o foco.
Os autores do estudo sabiam que aumentar a tolerância só seria possível mexendo com vários genes. Decidiram, então, atacar um gene de tipo especial, daqueles envolvidos na leitura de vários outros genes pela célula, como os que especificam os chamados fatores de transcrição. Lançaram mão de um sistema para gerar variações aleatórias num desses fatores que só havia sido empregado antes com bactérias, micróbios mais simples que a levedura, e depois confiaram no poder da seleção (artificial, neste caso).
Foi um experimento de brutalidade darwiniana. Todas as leveduras geradas, portadoras de modificações genéticas desconhecidas, tiveram de enfrentar concentrações cada vez maiores de etanol. Obviamente, só sobreviveram as que haviam adquirido maior tolerância ao álcool.
Gonçalo Amarante Guimarães Pereira, especialista em biotecnologia agrícola da Unicamp, entusiasmou-se com o artigo de Alper. Disse que uns poucos pontos percentuais de elevação na tolerância pode trazer lucros milionários para a indústria do álcool. Mas ressalvou que o estudo lidou com levedura de laboratório, não com as cepas mais robustas empregadas nas dornas das usinas.
É aí que a biotecnologia costuma tropeçar. Ao modificar o fungo de uso industrial, ele não consegue sobreviver bem sob as duras condições. O próprio Pereira tem pesquisa similar, mas ainda não obteve a levedura modificada (neste caso pela remoção de um gene) e ao mesmo tempo parruda.
Seu laboratório em Campinas trabalha numa linha ainda mais revolucionária para os biocombustíveis: obter álcool com a quebra de celulose. Este açúcar vegetal é abundante, como a sacarose da cana ou o amido do milho (usado na indústria de etanol dos EUA, menos eficiente, que sobrevive com uma sobretaxa de US$ 0,14 por litro imposta ao álcool importado do Brasil). Hoje a celulose é desperdiçada no bagaço ou na palha, mas quem conseguir aproveitá-la para obter álcool fará muito sucesso.
Cupins são insetos bem-sucedidos. Alimentam-se de celulose e multiplicam-se aos milhões, graças a enzimas chamadas de celulases. Pereira tem uma aluna de doutorado debruçada sobre essas substâncias capazes de digerir madeira, mas a concorrência internacional é tão dura quanto a enfrentada também no interior da dorna. Alguns empresários brasileiros sabem bem muito bem o que isso pode significar.