Mercado

Falta de visão de Estado

A administração Lula vai chegando à sua metade. Daqui para frente, o que melhorou, melhorou; e o que não melhorou vai ser mais difícil melhorar.

O desempenho da política econômica é inegavelmente um sucesso, aparentemente o único grande sucesso, à medida que o resto vai sendo esvaziado por picuinhas e, principalmente, por falta de visão estratégica.

A maioria dos dirigentes do PT tem idéias planas das coisas. Trata ou de assegurar sobrevivência no poder com base no jogo miúdo que muitas vezes não consegue sair nem mesmo do círculo interno de concessões entre as inúmeras facções do partido.

O PT ainda não consegue ter uma visão abrangente, ainda que equivocada, de Brasil e de interesse nacional. Ainda não parece ter-se livrado das estreitezas pequeno-mundistas, que é a sina das oposições históricas sem experiências anteriores de revezamento no poder.

Quando, por exemplo, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, afirma que o sistema financeiro está representado demais dentro do governo e, portanto, além de uma autoridade monetária, o País precisa ter uma “autoridade produtiva” (seja lá o que isso signifique), grande parte dos maiorais do PT tende a concordar com ele.

E vai logo aplaudindo a proposta que cria cadeira cativa a representantes do sistema produtivo no Conselho Monetário Nacional (CMN), sem antes ter entendido a diferença entre sistema monetário e sistema financeiro, sem ter compreendido a função do CMN entre as instituições de Estado e sem ter examinado o contexto em que evoluiu até aqui.

Provavelmente vêem na proposta de Skaf a oportunidade para enxertar lá dentro representação dos trabalhadores, no espírito que deveria reger o funcionamento de uma câmara setorial ampliada ou de um “novo pacto social”, tal como proposto recentemente pela CUT. Mesmo no capítulo da política econômica que – repita-se – é sucesso nacional e internacional, o governo Lula vai produzindo inocuidades, especialmente quando se mete a enunciar propostas de transformação do mundo.

São propostas sem viabilidade política, algumas ingênuas, como a da criação de um imposto internacional sobre vendas de armas para erradicação da fome; ou a da cobrança de uma espécie de CPMF internacional para financiar o desenvolvimento dos países pobres.

O presidente Lula refere-se publicamente a seus novos contatos “na África”, como se tivessem alguma relevância geopolítica; ou, ainda, encampa projetos de mudança da arquitetura econômica mundial baseados em linhas especiais de crédito do Fundo Monetário Internacional, como se para sua criação bastasse despachar memorandos nos quais, além das sugestões, figurassem as Armas da Presidência da República do Brasil.

Pior que tudo, o governo Lula vai fazendo essas coisas crente de que está abafando lá fora. É verdade que o Brasil vai ganhando nova densidade nas negociações comerciais, que, em boa parte, têm que ver com a condução que lhe vem dando esta administração. Mas não dá para ignorar que boa parte do respeito conquistado vem lá de trás, de iniciativas cujos resultados só vêm aparecendo agora. As vitórias do Brasil na OMC, especialmente no caso do algodão e do açúcar, foram desenhadas no governo anterior.

A rigor, o Brasil já não está sendo ouvido com a mesma atenção com que foi ouvido no passado no Fundo Monetário Internacional, no Banco Mundial e no Grupo dos Sete, quando os dirigentes tinham visão estratégica (ainda que limitada) a transmitir, como acontecia nos tempos de Roberto Campos, Delfim Netto, Gustavo Loyola, Pedro Malan e Armínio Fraga.

A impressão que fica é a de que, depois que deixaram de ser ameaça à ortodoxia econômica, os atuais dirigentes do governo Lula não despertam a mesma atenção porque têm pouco a dizer e, quando abrem a boca, é para falar de irrelevâncias.

Isso tem DNA. Tem que ver com a formulação de políticas externas para uso exclusivamente interno: para aplacar estridências e irritações de segmentos do PT, que gostariam de ver, num governo supostamente de esquerda, tratamento mais relevante para política social, para o combate à fome e para a implantação do “outro mundo possível”, como prefere dizer a turma do Fórum Social Mundial.

Enfim, falta visão de Estado e de interesse público e isso vai ficando sem conserto.