Mercado

EUA nem ligam para protesto europeu

Os Estados Unidos nem tomaram conhecimento do protesto-quaseapelo dos países da Eurozona para que façam alguma coisa para conter a queda do dólar e a valorização do euro. Num gesto raro, pela primeira vez os europeus vieram com tudo. Um comunicado dos 12 ministros das Finanças e do Banco Central Europeu (BCE) culpou os EUA pela queda do dólar, que chegou aos níveis mais baixos dos últimos 12 anos. Até agora, o silêncio é total. Se vier alguma declaração, será do secretário do Tesouro, John Snow, repetindo que “os EUA defendem a política de dólar forte”. Mas isso está tão desacreditado, opõe-se tanto aos fatos, que cada vez que ele ou qualquer pessoa do governo fala o dólar cai ainda mais.

Muitos no mercado chegaram a acreditar que a declaração conjunta estaria indicando uma intervenção no mercado. Mas, ontem, revelou-se que, na sua última reunião, na qual manteve a taxa básica de juros em 2%, o BCE estudou a possibilidade não de baixar, mas aumentar os juros para conter uma inflação de 2,2%, acima dos 2% que ele mesmo, banco central, decidiu fixar como teto. “A credibilidade em torno da ameaça do BCE é muito baixa”, afirmou um estrategista do Commerzbank, Carsten Fritsch.”

NEGLIGÊNCIA BENIGNA…

Os ministros classificaram a atitude dos EUA de “negligência benigna”. Para mim, é que as autoridades monetárias americanas estão “negligenciando” intencionalmente – e estão certos – porque carregavam até setembroumdéficit comercial gigantesco da ordemdeUS$ 621 bilhões, que cresce dia a dia, mesmo com o dólar nos níveis atuais.

Eles precisam exportar muito mais e importar bem menos, além de terem de endividar- se para financiar os déficits. Nos últimos dois meses, o dólar desvalorizou-se cerca de 9% diante do euro e do yen. Mas, apesar disso, a Eurozona continua registrando um superávit comercial com os EUA,onde os consumidores compram tudo o que aparece.

MAIS CONFIANÇA BC JAPONÊS

Esse superávit, em parte, explica a inércia da Eurozona em adotar medidas para reativar a demanda interna e o crescimento, única saída apontada por Snow, para que haja um maior equilíbrio entre as duas principais economias mundiais.

Enquanto os EUA estão crescendo a 3,9% ao ano, a Eurozona não deve passar de 1,8%. Quem mais está sentindo esse choque é o Japão cuja economia voltou a retrair-se. O PIB praticamente estagnou, “crescendo” só 0,1% no terceiro trimestre, após uma queda também de 0,1% em abril-junho. A causa principal é o recuo das exportações, não só para os EUA, mas também para os países asiáticos, que, a exemplo da China, e do próprio Japão, acompanham o dólar. O consumointerno cresceu só 0,2%.Mais importante, pela primeira vez em dois anos, a balança comercial foi negativa, repercutindo sobre a economia total. E só não foi pior porque o banco central japonês interveio no mercado, comprando US$ 330 bilhões entre janeiro de 2003 e março de 2004.

Agiu assim para atenuar maior retração da sua economia. Mantém juros praticamente 0% e tenta evitar uma desvalorização ainda maior do dólar diante do yen. Nada disso está sendo feito pela Eurozona, que nada mais faz além de protestar.

BRASIL CHEGOU TARDE?

Tudo isso reflete-se no câmbio brasileiro, com o real supervalorizado. O Tesouro decidiu só agora intervir, embora o ministro Fernando Furlan tenha alertado para a necessidade de sustentar a taxa de US$ 3 para não desestimular o único setor da economia, o das exportações, que está sustentando o crescimento de 5%. Para alguns, o Tesouro teria chegado tarde, pois as importações explodiram, estimuladas por um dólar fraco, e as decisões de plantio já foram ou estão sendo tomadas. E, tomem nota destes números, a balança do agronegócio, as exportações de carnes, soja, açúcar, álcool, madeiras, lácteos e algodão chegaram a US$ 36 bilhões até novembro, 29,2% sobre o ano anterior. Os agroprodutos representam, até agora, nada menos que 42,3% das exportações globais do País. Mas os agricultores estão perdendo dinheiro, declarou o ministro Roberto Rodrigues, não só pelo câmbio, mas porque os preços das commodities agrícolas caíram 7,9% – isso em media – nos últimos 12 meses.

E essas commodities são negociadas em dólares! Eles produziram e exportaram porque já tinham plantado quando o dólar estava a R$ 3, o que provavelmente não acontecerá em 2005. E talvez a cotação neste ano feche bem abaixo disso. Curioso é que o setor de agronegócio é o que menos pede ao governo. Só que não atrapalhe. Só nos dê condições para exportar, impeça mais invasões e inquietação no campo, que continuaremos sozinhos a carregar o Brasil.