Afebre mundial do etanol — que deverá virar commodity em um horizonte de cinco anos — está mobilizando os planos de investimento de figurões brasileiros e estrangeiros, que se antecipam para lucrar com o processo de substituição do petróleo como principal combustível da economia internacional. Personalidades do esporte, do mercado financeiro e até ex-membros do governo estão mergulhando nas oportunidades, comprando terras — que atingiram preços históricos em abril —, formando fundos de investimento e participações e montando consultorias.
Os novos — ou renovados — investidores são estrelas principalmente do noticiário econômico. Do Banco Central vêm dois ex-presidentes: Gustavo Franco e Armínio Fraga. O ex-chefe deste último, o megainvestidor húngaro naturalizado americano George Soros, olha com lupa esse mercado. A Adeco, empresa da qual é acionista, investe em usinas em Minas Gerais e Mato Grosso do Sul.
O leque inclui nomes guardados em segredo, como os membros de um grupo recente, capitaneado pelo ex-presidente da Associação de Promoção das Exportações (Apex), Juan Quirós. Ex-ministros, como Luiz Fernando Furlan, do Desenvolvimento — que, ao sair da quarentena, comprará participações — e Roberto Rodrigues, da Agricultura, que é produtor há 35 anos e tem prestado consultoria, também integram o time.
Há ainda o ex-presidente da Petrobras Henri Phillipe Reichstul, líder de um megafundo de investimentos que teria US$2 bilhões destinados ao etanol. Outra figura de peso é o todo-poderoso da AmBev, Jorge Paulo Lemann, segundo homem mais rico do Brasil. No mercado, circulam ainda rumores de que Naji Nahas — um dos símbolos da especulação nacional — estuda projetos na área. Uns dizem que teria comprado terras, com parceiros, no Piauí. Outros afirmam que ele está interessado no mercado, mas, a exemplo de Lemann, prefere esperar a consolidação dos primeiros grandes negócios.
Os investidores dão preferência por parcerias com quem já está instalado, pois são considerados ativos importantes o conhecimento tecnológico de toda a cadeia produtiva, desde as terras ideais e o tipo de cana a ser plantada à fabricação e à distribuição de álcool. Os dois últimos segmentos são os mais atrativos, disseram técnicos do governo. Nessa situação, enquadra-se Fraga, interessado em comprar 15% de uma usina em São Paulo.
— Este é o mercado do futuro — afirma o presidente da Ethanol Trading, Roberto Giannetti da Fonseca, ex-secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior (Camex).
O lucro prometido também atraiu o banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity. Segundo informações de mercado, Dantas tem um projeto para exportação de etanol que dependeria ainda de possíveis parceiros. A ambição do banqueiro pode ser medida pela recente compra de uma área superior a cem mil hectares no Sul do Pará, perto da ferrovia de Carajás. Assessores dizem que a terra — propícia para o cultivo da cana — seria usada para pecuária de “alto rendimento”.
— Ele está de olho no etanol, mas não lá (Pará) — disse um assessor.
O empresário e ex-piloto de Fórmula 1 Emerson Fittipaldi, que entre o fim dos anos 70 e início dos 80 montou a equipe Copersucar, trabalha há cerca de dois anos num projeto para instalação de uma usina na região de Uberlândia (MG). Um assessor do empresário diz que Fittipaldi conta com a parceria de “grupos fortes” (o mercado fala em americanos) para um projeto volumoso.
Em processo mais adiantado estão os empresários e pecuaristas Alexandre Grendene (da área de calçados) e Jonas Barcellos (da Brasif, ex-dona dos free shops brasileiros), que se uniram há dois anos num projeto avaliado em cerca de R$200 milhões para a instalação de uma usina de açúcar e álcool e o plantio de 15 mil hectares de cana em Valparaíso (SP). A usina, prevista para entrar em operação em 2008, deverá ser uma das maiores da região Noroeste paulista — que já concentra outras 40. Grendene comprou uma fazenda na Bahia e está mandando para lá boa parte do gado de São Paulo. No lugar das antigas pastagens, passou a plantar cana.
Os fundos de private equity são outro caminho. A Rio Bravo, de Franco, pretende lançar em setembro um fundo de R$100 milhões para investir em empresas com perfil ambiental, e, aí, destacam-se as do setor de etanol. Quirós afirma que seu grupo estará voltado exclusivamente à exportação. Ele diz, porém, que no país há grandes investimentos para produção de etanol e poucos para infra-estrutura e pesquisa.
— Em cinco anos, o etanol será uma commodity mundial. Quem estiver mais próximo do centro de logística e distribuição terá sucesso — diz ele.
Roberto Rodrigues diz ter defendido a criação de um programa voltado para o etanol em 1973, em documento enviado ao então presidente Ernesto Geisel, antes mesmo da criação do Proálcool. Ao deixar o Ministério da Agricultura, ele se uniu a Jeb Bush — irmão do presidente dos EUA —, ao presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Luiz Alberto Moreno, e ao ex-primeiro-ministro do Japão Junichiro Koizumi, com o objetivo de difundir o uso do etanol no mundo:
— Sempre considerei um absurdo a humanidade ter construído uma civilização inteira em cima de um produto fóssil, finito e mal distribuído no planeta (o petróleo) — diz, acrescentando que cinco fatores atraem investidores ao Brasil: terra, água, sol, tecnologia e mão-de-obra:
— O que falta é o capital.
Ou faltava. Na avaliação de interessados, já há bastante dinheiro, mas poucas propostas. Estima-se que só os fundos internacionais tenham cerca de US$15 bilhões para investir.