A iniciativa lançada pela Agência Internacional de Energia (AIE), envolvendo países como EUA, China, Alemanha e Japão e indústrias, para a produção de veículos elétricos puros e híbridos, com meta de 20 milhões de unidades em 2020, 200 milhões em 2030 e 1 bilhão em 2050, abriu uma polêmica com as usinas de etanol no Brasil.
O projeto, chamado pela AIE de Iniciativa pelo Veículo Elétrico, foi noticiado nesta coluna no domingo, mas já era monitorado pelo pessoal das usinas de álcool brasileiras. O setor alega não temer a concorrência. O que incomoda seria a desinformação das matrizes das montadoras instaladas no Brasil sobre a viabilidade e o sucesso dos carros flex, que representam mais de 90% das vendas no país.
“O fato concreto, particularmente no Brasil, e que costuma passar despercebido debaixo do nariz dos próprios brasileiros, inclusive dos milhões de donos de carros flex, é que o mundo todo está, sim, atrás de energias de baixo carbono”, diz um executivo do setor de etanol, que falou com a condição do anonimato. “Nós já temos a solução aqui mesmo – e ela não será superada tão cedo por nada do que hoje está em desenvolvimento, inclusive o carro elétrico.”
O setor foi duramente atingido pela crise do crédito, que chegou quando várias usinas investiam em novas instalações e no aumento da área plantada com cana-de-açúcar. O descompasso financeiro foi superado, mas se acentuou a presença de capital estrangeiro, com o aumento em apenas três anos de 7% para 22% das usinas controladas por multinacionais, inclusive petroleiras, como Shell e BP. Mesmo a Petrobras investe em etanol, apesar da prioridade do pré-sal.
Tudo isso leva a uma situação ambígua. O consumo de derivados de petróleo já tende a se tornar residual no setor de transportes no país, mas o ímpeto de quatro anos atrás do governo em espalhar o etanol pelo mundo, com o presidente Lula no papel de evangelista, até junto ao então presidente George W. Bush, não é mais o mesmo.
As atenções se voltam para o pré-sal. Mesmo tendo o álcool como solução viável, sobretudo para os tempos de baixo carbono, e pré-sal, foi por muito pouco, três meses atrás, que o governo deixou de aprovar incentivos para a produção de carro elétrico no país.
Montadoras na retranca
Não se resolveu ainda a questão, que continua suspensa à espera de decisão de Lula. Os ministros da Fazenda, Guido Mantega, e de Ciências e Tecnologia, Sérgio Rezende, a apoiam, enquanto Miguel Jorge, do Desenvolvimento, a critica, segundo dirigentes do setor automobilístico e da indústria do álcool.
O cenário nebuloso motiva o interlocutor da indústria do álcool a não se expor, pelo menos por ora. Por tal motivo ou não, diz o executivo, o fato é que as montadoras estão jogando na retranca junto às suas matrizes. Em vários países, mesmo os signatários da iniciativa da AIE, já há a obrigatoriedade da mistura de álcool à gasolina, como nos EUA. “Estranhamente”, afirma, “na grande maioria dos casos, elas tratam o que fazem no Brasil como coisa exótica e pitoresca”.
Jogando contra nos EUA
Espanta-lhe o que chama de “esforço de grandes montadoras nos EUA” para não permitir que o governo aumente a mistura de etanol à gasolina de 10% para 15%. Aqui, seus carros rodam 100% a etanol ou com mistura de 25%, mas lá elas alegam que mais de 10% danificaria o motor, implicando a perda de garantia do veículo.
O lobby contra o etanol nos EUA, sobretudo o brasileiro, cujas importações são taxadas, já mereceu da diplomacia do governo Lula ação mais contundente. A Toyota, por exemplo, que aqui só monta carros flex, diz o dirigente do setor de agroenergia, recentemente foi notícia nos EUA quando o Washington Post divulgou documento de lobistas da empresa relatando à direção que uma de suas “vitórias” em 2009 fora demover o governo americano da intenção de obrigar as montadoras a produzir um percentual maior de carros flex.
Desinformação da Honda
Bizarras ou não, as histórias estão aí. O executivo diz que, num evento em Bruxelas, a representação da UNICA, entidade do setor de açúcar e etanol, foi procurada por dirigentes da Honda. Diziam que era falsa a informação de que ela produzisse carro flex. Só caíram em si quando convidados a conferir o site da Honda no Brasil.
Assim fica difícil. Mas o lobby do etanol está confiante. O setor vai estar pela primeira vez no Salão do Automóvel, que abre em São Paulo, dia 27, para se mostrar e fazer o contraditório com o carro elétrico. O consumidor só tem a ganhar quanto maior a concorrência.