Novas usinas e centros multidisciplinares de pesquisa em etanol derivado da celulose começaram a sair do papel. Laboratórios do governo têm aplicado cada vez mais recursos nas diversas linhas de investigação sobre novos produtos, métodos de produção e matérias-primas para a segunda geração de combustíveis. Arranjos institucionais entre governo, iniciativa privada e universidades também preparam o terreno para diversificar a matriz energética e transformar o etanol em commodity global.
Mas a grande força por trás desse bom produtivo continua a ser a agressiva política de subsídios do governo federal. A projeção oficial revela um salto gigantesco na concessão de incentivos à produção da nascente indústria do etanol de celulose.
Em 2017, quando expira o prazo estabelecido para a meta de adicionar 20% de biocombustíveis na gasolina do país, o auxílio governamental deve atingir um volume anual, em todas as frentes, de US$ 24 bilhões a US$ 28 bilhões, segundo dados apresentados na sexta-feira pelo Laboratório Nacional de Energia Renovável (NREL, na sigla em inglês), ligado ao Departamento de Energia dos EUA. A meta para garantir a segurança energética interna triplicaria os gastos de US$ 8,4 bilhões com incentivos à produção do etanol derivado de milho previstos para este ano.
A produção de matérias-primas destinadas à fabricação de celulose, como madeira, capim, milho, trigo, sorgo e bagaço deverá ficar com uma fatia entre US$ 5 bilhões e US$ 6 bilhões da previsão de gastos. “A queda dos subsídios para o milho [acaba no fim de 2008] deve frear a construção de novas usinas. Por isso, há negociações políticas complexas no Congresso”, diz a pesquisadora Helena Chum, conselheira do Centro Nacional de Bioenergia do NREL. As empresas também devem obter a ampliação de incentivos tributários, como a depreciação mais rápida para elevar deduções de imposto sobre a receita. “Os subsídios não são uma boa política, são perversos. Mas ainda não temos uma varinha mágica”, afirma Mark Smith, diretor da Câmara de Comércio dos Estados Unidos, que reúne cerca de três milhões de empresas locais.
Com o agressivo apoio de Washington para fazer deslanchar a produção americana de etanol celulósico, as pesquisas com biocombustíveis também têm apressado o passo para adaptar as tecnologias que podem processar um potencial já identificado de 1,17 bilhão de toneladas de biomassa por ano.
Situado na desértica Golden, nos arredores de Denver, o NREL tem liderado o processo. Duas plantas experimentais já produzem etanol de celulose pelos métodos bioquímico (fermentação) e termoquímico (gaseificação). No orçamento do ano fiscal 2007-2008, os EUA destinaram US$ 1,5 bilhão para pesquisar de novas fontes de energia. Há US$ 200 milhões só para o etanol de celulose. A meta do governo é reduzir o custo do etanol, de US$ 0,52 (milho) para US$ 0,34 (celulose) por litro até 2012, e atender a 30% da demanda doméstica total por combustíveis em 2030 ou 226,8 bilhões de litros por ano.
Nos planos dos EUA, cooperação empresarial é ssencial. “Temos que eliminar barreiras à competitividade de custo e tornar preço do etanol celulósico igual ao do derivado do milho”, afirma o secretário-adjunto do Escritório de Eficiência Energética e Energia Renovável, John Mizroch.
Segundo ele, 60% dos recursos para pesquisa vêm das empresas. O NREL, por exemplo, mantém um programa de geração de etanol com a DuPont ao custo de US$ 38 milhões anuais. Também tem outro com a espanhola Abengoa sobre microorganismo que transformam açúcar em etanol. “Temos que acelerar a negociação para reduzir tempo de pesquisa para novos produtos em parcerias não só com empresas tradicionais, mas de biotecnologia”, afirma John Ashworth, chefe de Desenvolvimento da Parcerias do NREL. Na última sexta-feira, ele negociava com a trading ADM.
O NREL estuda a gaseificação do etanol como solução mais rápida de produção, mas ainda é mais cara para o fabricante. Para baratear os custos, o laboratório também mantém pesquisas com algas marinhas e uso do aquecimento de caldeiras com energia solar para a produção de etanol.
Em consonância com o discurso do governo de que o etanol será apenas parte da matriz energética, os cientistas alertam que o novo produto pode não ser a solução para os males do mundo. Embora reduza a emissão de gases causadores do efeito estufa, o uso de etanol de celulose em grandes áreas metropolitanas tende a piorar a qualidade do ar das cidades, já que emite 12 vezes mais gases tóxicos do que a gasolina. “Mas ele reduz em 95% o uso de petróleo, zera as emissões de monóxido [CO2] e ainda seqüestra carbono”, realça Helena Chum. Seguindo ela, o etanol deve ser usado onde é produzido e não é recomendado para áreas desérticas, onde o consumo para gerar um litro de etanol sobe de um para 208 litros de água em razão da irrigação das plantas utilizadas.
Embora a indústria tenha apoiado a produção de etanol, ainda há focos de discordância entre os vários setores. Não há consenso sobre aspectos econômicos. Os lobbies de produtores e das indústrias automobilística e petroleira não são monolíticos.
Os fabricantes de automóveis, ao contrário dos fazendeiros que vêem os subsídios como pedra angular da atividade, temem eventuais perdas financeiras com a garantia de motores, hoje limitada à adição de 10% de etanol na gasolina.
As petroleiras pesam o custo de mudar o modelo de negócios da atual verticalização para a gestão de fornecedores. “Mas isso pode gerar bons negócios, como a compra de usinas”, diz Mark Smith. De acordo com ele, o consumidor americano gosta do conceito de energia renovável, mas ainda não está disposto a pagar mais por isso. “A indústria de biocombustíveis não é a bala de prata que matará o vampiro da dependência energética”.