O segmento sucroalcooleiro começa uma nova safra no Brasil, em março, com a percepção de que está diante do início de um novo ciclo virtuoso alimentado pela boa demanda internacional por açúcar e pela flagrante renovação das apostas na consolidação do etanol como combustível global competitivo, renovável e mais limpo.
No curto prazo, os estoques apertados dos dois principais subprodutos da cana tendem a sustentar cotações e melhorar as margens das usinas. Somados à circulação menos restrita de crédito, os bons preços deverão paulatinamente deixar para trás dois anos de caixa vazio, quebra de empresas e contenção de aportes – e, estruturalmente, de mudança de perfil.
Se por um lado representou bilhões de! dólares em investimentos represados e frustração em importantes polos canavieiros do Centro-Sul, por outro a crise acelerou transformações que, em boa medida, esbarravam nos bolsos cheios de usineiros históricos.
É verdade que, mesmo com o cenário adverso, a Cosan, maior companhia sucroalcooleira do mundo, reinventou gestão e negócios e tornou-se fundamentalmente um grupo de combustíveis, sobretudo após a parceria com a anglo-holandesa Shell, também interessada em transformar o etanol em commodity.
Mas players tradicionais como os também paulistas Santelisa Vale e Moema foram incorporados por multinacionais em migração para a energia renovável – Louis Dreyfus e Bunge, respectivamente -, e novos players nascidos no país na maré favorável de 2007, como ETH e Brenco, uniram forças antes de retomar promessas de expansões.
Apesar da mudança de quadro, coroada pelo atestado da Agência de Proteção Ambiental (EPA) dos! Estados Unidos de que o etanol de cana é mesmo um “biocombustível avançado”, o que deixa o produto sem concorrentes economicamente viáveis, a volta dos grandes investimentos deverá ficar para a próxima safra (2011/12).
E isso por uma razão simples: produzir está caro e os custos dos projetos também subiram com as boas perspectivas, mesmo que as empresas ainda tenham ajustes a efetuar seja por dificuldades do passado recente ou pelos trabalhos de integração em curso.
A valorização do real em relação ao dólar em 2008 e 2009 pesou bastante no encarecimento da atividade. Segundo a consultoria Datagro, entre 2002 e 2010 os custos de produção quase triplicaram. Em 2002, a produção de um litro de álcool anidro (misturado à gasolina) custava 17 centavos de dólar, valor que em 2010 já estava em 45 centavos de dólar.
Conforme Plínio Nastari, presidente da Datagro, por essas e outras o investimento para se construir uma nova usina no Centro-Sul saltou, na mesma comparação,! de US$ 35 a US$ 40 por tonelada para entre US$ 100 a US$ 110 a tonelada de cana processada. Esse valor recuou nos anos de crise, mas já voltou a aumentar com o cenário otimista.
Na mesma comparação, se for descontada a inflação, o preço do álcool recuou. Da safra 2002/03 para a 2009/10, os preços médios do anidro vendido pelas usinas às distribuidoras (sem impostos) caíram de R$ 1,12 o litro para aproximadamente R$ 0,99, segundo dados do Cepea/Esalq já deflacionados pelo IGPM.
Independentemente da equação, Antônio de Pádua Rodrigues, diretor-técnico da União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica), lembra que novos aportes serão necessários. “Até 2015, o consumo interno de álcool deve dobrar de 26 bilhões para 50 bilhões de litros, e a demanda externa pelo produto brasileiro pode chegar a 15 bilhões de litros. Isso exigirá investimentos US$ 50 bilhões em novas usinas de etanol. Mas tais aportes ainda não estão acontecendo”.
Apesar de os preços do açúcar estarem ! em patamares recordes e terem até ajudado a abreviar a agonia de algumas usinas, a decisão de implantar um projeto greenfield de usina (construção a partir do zero) normalmente não considera os preços praticados em uma única temporada.
“Nas nossas avaliações de taxa de retorno, não compensa neste momento construir um greenfield. O retorno não é adequado”, confirma Jacyr Costa Filho, CEO da Açúcar Guarani, pertencente ao conglomerado francês Tereos.
É por isso que grande parte dos aportes em andamento limitam-se a ampliar a produtividade agrícola e a melhorar processos industriais. A própria Guarani faz isso na unidade São José, em Colina (SP), que na nova safra terá capacidade de moagem de cana de 3,6 milhões de toneladas, 700 mil a mais que em 2009/10. “Os bons resultados desta próxima safra devem estimular novos investimentos”, diz Jacyr.
Os preços atuais do açúcar, afirma Plínio Nastari, viabilizam projetos, mas a questão central para o segmento, agora, ! é ampliar sua competitividade, até por conta dos maiores custos de produção. “O capital está sendo empregado em modernização de ativos, aumento de eficiência energética e diversificação de produtos. Busca-se também a flexibilidade da produção entre açúcar e álcool para que se possa captar os melhores preços”.
As indústrias de base que fornecem equipamentos para usinas corroboraram a tendência de mais investimentos, mas menores. Líder nesse mercado, a Dedini, de Piracicaba (SP), é exemplar. A empresa projeta vendas de R$ 1,3 bilhão em 2010, 25% mais que em 2009 mas longe do recorde de R$ 3 bilhões de 2007, quando havia mais projetos do que cana.
A curva ascendente do número de novas usinas estreantes em todo o país tornou-se mais aguda em 2005, quando cinco unidades entraram em operação, segundo a Job Economia e Planejamento. Em 2006 foram 12, em 2007 mais 17 começaram a rodar e em 2008, mesmo com os sinais de que tempos difíceis viriam, foram 29.
Dali em diante, dezenas de projetos ficaram pelo caminho e os que avançaram o fizeram com empréstimos-ponte, endividamento a juros altos, venda de ativos e consolidações. Com isso, aponta a Job, 20 usinas entraram em operação em 2009 e a previsão para 2010 é de 15 estreias, o que levará o número total para 472.
Esse “efeito inercial” de projetos que não podiam parar colaboraram para manter os desembolsos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em alta. Em 2010 mais R$ 6 bilhões do banco de fomento devem chegar ao segmento, mesmo nível do ano passado.
Neste ponto o ambiente futuro favorável ao etanol, nos mercados domésticos e – sobretudo – internacional, ajuda a garantir, no mínimo, a aceleração da retomada de novos investimentos. “A chancela do EPA [a agência ambiental americana] vai dar mais segurança para o investidor continuar apostando na produção do etanol”, diz Joel Velasco, representante-chefe para a América do Norte da Unica.
Nesse sentido, observa Velasco, o próximo passo é vencer a batalha no Congresso dos EUA, ainda este ano, para derrubar a tarifa de importação que o país impõe sobre o etanol. Daí o quadro para a consolidação de uma commodity global e para a multiplicação de aportes no Brasil estará completo.