Com a queda nas taxas de juros pagas pelos títulos do governo federal brasileiro, os investidores externos têm buscado cada vez mais aplicações em reais de maior risco e rendimento. Os destaques são os fundos de investimentos (FIDCs) em papéis com lastro em crédito de pequenas e médias empresas brasileiras ou até mesmo em precatórios, títulos de dívidas dos governos resultantes de cobranças na Justiça. Esses fundos chegam a pagar juros em reais de 22% ao ano, ou 18,7% descontado o Imposto de Renda. Um título do governo federal paga, na melhor das hipóteses, 12,5% ao ano líquido – sobre o rendimento do título público os estrangeiros não precisam pagar Imposto de Renda.
Além dos juros em reais, o investidor que optou por ficar com o risco cambial e não converteu seu investimento para dólar por meio de um “swap” ganha a valorização do real contra o dólar. Ela foi de 17,41% de 23 de maio de 2006 a 23 de maio último. Ao todo, o rendimento do FIDC é de 36% ao ano, líquido, se o real se valorizar tanto quanto nos últimos 12 meses, contra 29,9% ao ano do título público.
Mais de R$ 650 milhões dessas estruturas foram vendidas em um ano, segundo levantamento feito pelo Valor no mercado. “Há também interesse crescente na compra de notas em reais no exterior que são espelho de papéis emitidos por empresas brasileiras, como as Cédulas de Crédito Bancário”, comenta Marta Alves, tesoureira do ING. Entre os novos tipo de FIDCs (Fundos de Investimento em Direitos Creditórios), um dos mais inovadores foi elaborado, estruturado e gerado pela Polo Capital. São R$ 100 milhões, com cotas que vencem em 11 anos, no primeiro FIDC lastreado em precatórios federais. Esses precatórios foram emitidos em nome da empresa Citoma.
“É uma operação atraente, pois, apesar de ser lastreada em títulos do governo federal, paga um prêmio sobre o risco soberano”, afirma Brigitte Posch, diretora de securitização para a America Latina do Deutsche Bank, que está distribuindo, junto com o BB Investimentos, a operação aos investidores externos e internos. “Há o risco de liquidez, pois um precatório é menos líquido do que um título público, e o risco regulatório”, diz.
Segundo a executiva, um FIDC de precatórios pode pagar IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) mais 9,5% ao ano, para o prazo de onze anos, em reais. São 11% líquidos, mais a variação cambial, considerando-se os 3,45% de inflação projetada para os próximos 12 meses pelo mercado. Em comparação, um papel do governo federal (Nota do Tesouro Nacional da série B), de vencimento em 15 de maio de 2017, pagou, na terça-feira última, 5,88% ao ano sobre o IPCA, ou 9,33% líquidos ao investidor externo, que não paga IR.
Brigitte Posch fez questão de frisar que cada precatório tem um risco particular, e por isso não é possível generalizar um rendimento para FIDCs lastreados nesses papéis. Nos dois primeiros anos de vida do precatório, por exemplo, o governo federal pode recorrer sobre os cálculos que determinaram o seu preço, o que aumenta o seu risco nesse período, diz ela. Passada essa fase, o governo federal começa a pagar o precatório e os riscos são reduzidos. “Por isso, cada caso é um caso, que precisa ser avaliado separadamente.”
Com tantos riscos a ponderar, esses FIDCs só podem ser comprados por administradores de fundos de hedge, fundos mútuos ou tesouraria de bancos. “São investidores altamente qualificados e sofisticados, que sabem o risco que estão correndo”, disse Samy Podlubny, diretor-gerente da BCP Securities, butique de investimento americana que está vendendo cotas de R$ 105 milhões de um FIDC (Fundo de Investimento em Direitos Creditórios) de crédito de pequenas e médias empresas montado exclusivamente para o grande investidor externo.
“O número de interessados por esse tipo de produto ainda é pequeno, mas crescente”, informa Podlubny. O gestor da carteira do FIDC vendido pela BCP é a empresa de factoring Union National. O fundo foi criado em maio do ano passado e outras duas parcelas, de R$ 50 milhões e R$ 105 milhões, já foram vendidas, em julho e em setembro, respectivamente. A idéia é vender os R$ 500 milhões de cotas do FIDC da Union National até o final deste ano. Segundo ele, os investidores já vêem obtendo rentabilidades que vão de 15% a 22% ao ano em reais. “O histórico da carteira é de inadimplência reduzida, devido à sua grande diversificação – são mais de 200 mil operações de crédito”, informa Podlubny.
Os compradores foram aproximadamente 15 investidores, todos fundos de hedge, menos avesso aos riscos, segundo Podlubny. O fundo da Union National tem cotas com vencimento em 1º de abril de 2026 ou até 90 dias após o vencimento do direito creditório do titular do fundo que tenha a data mais longa, o que ocorrer antes.
Podlubny lembra que, para comprar os FIDCs emitidos no mercado interno brasileiro o investidor externo tem de vir ao país por meio das regras da circular 2689 e abrir uma conta aqui. Outros preferem comprar esses papéis lá fora: o banco ou corretora compra a cota do fundo no Brasil e cria no exterior uma operação espelho, por meio da emissão de derivativos de crédito, como Credit Linked Notes. Os FIDCs lastreados em precatórios já são sucesso: além do que está no mercado, o Deutsche está participando da montagem de dois outros novos fundos deste tipo. “O FIDC da Polo Capital foi pioneiro e agora podemos ampliar esse mercado”, afirma Brigitte Posch, diretora do banco de capital alemão.
O sul-africano Banco Standard de Investimentos também está montando um FIDC de precatórios, de R$ 120 milhões, que será parcialmente vendido ao investidor externo, diz o presidente do banco, Fábio Solferini. “Os investidores externos querem mais retorno e, para isso, estão interessados em boas operações com maior risco de crédito”, diz. No final do ano, o Standard vendeu 20% de um FIDC de R$ 46 milhões da empresa de açúcar e álcool Dulcini-Dedini para os investidores externos, conta Solferini. Outros 15% do FIDC da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), de R$ 150 milhões, foram vendidos no início do ano no exterior pelo Standard. Foi a primeira captação de um FIDC-NP (Não Padronizado).
Assim como no FIDC tradicional, essa modalidade consiste em comprar títulos lastreados em receitas futuras do emissor (CPTM), que virão da venda de bilhetes. A diferença é que no FIDC-NP não há contrato formal entre as partes, ou seja, CPTM e usuários dos trens.