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Estiagem leva a quebra de safra e ameaça inflação

O Pantanal Mato-Grossense, conhecido pela bela paisagem, com abundância de água e vegetação, mudou. No interior paulista, por onde se espalham lavouras de cana-de-açúcar, laranja e café, o quadro não é diferente. Nos últimos meses a chuva escasseou – efeito do fenômeno climático La Niña. Já se fala em quebra de safra e na possível pressão inflacionária para os próximos meses em algumas culturas.

É o caso da pecuária. Segundo a economista Amarilis Romano, da Tendências Consultoria, o prolongado período de entressafra no Centro-Oeste pode fazer com que os pecuaristas mantenham os animais confinados por mais tempo para que ganhem peso e sejam vendidos por um preço melhor. A oferta menor de animais pressiona o preço da arroba do boi gordo.

“Ainda não é possível dizer se haverá uma catástrofe, mas vivemos um sinal de alerta. A luz amarela acendeu e o problema pode influenciar na alta da inflação”, avalia a analista. Para José Vicente Ferraz, da consultoria Agra FNP, é possível que a estiagem prorrogue a entressafra do Centro-Oeste: “Se isso acontecer, não tem como não haver pressão inflacionária”.

Caio Silva Campos, presidente do Sindicato Rural de Poconé (a 110 km de Cuiabá), na região pantaneira, conta que mesmo os pecuaristas mais experientes foram surpreendidos com a estiagem deste ano. “Em alguns lugares as lagoas e açudes viraram um lamaçal. O gado vai procurar água, fica atolado no barro e pode até morrer”, relata.

“Por enquanto, a maioria vai segurar o gado por mais tempo para que ele engorde. Sem pasto há duas alternativas. Ou vendemos agora o gado e perdemos no peso menor do animal, ou gastamos mais para vender mais adiante”, lamenta Campos.

Superintendente da Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat), Luciano Vacari diz que a atual estiagem é uma das piores vistas na região. “Em alguns lugares do Estado não chove desde abril. A seca começou mais cedo e está mais intensa. Se continuar assim deve levar pelo menos mais um a dois meses até que os animais recuperem o peso. A entressafra que terminaria agora pode durar até novembro. E o preço vai ficar mais alto por mais tempo”, analisa Vacari.

Laranja murcha. Se a pecuária vive sob ameaça, na citricultura o problema já chegou. Os citricultores estão em época de colheita e apontam para uma perda na produtividade que vai de 20% a 30%. É o resultado da falta de chuva no interior paulista, que concentra boa parte da produção nacional.

“Pelos meus cálculos a quebra de safra vai chegar a 30%, levando em consideração os prejuízos com a estiagem e os problemas com doenças nos pomares”, conta Marco Antonio dos Santos, produtor de Taquaritinga, região de Ribeirão Preto (SP).

A falta d”água diminui a quantidade de suco da laranja. Ela fica murcha e, em muitos casos, não tem força para se aguentar no pé. Como a laranja está mirrada, o produtor tem de colocar 20% a mais de frutas para completar a caixa de 40 quilos, vendida à indústria processadora.

Além de comprometer parte da safra deste ano, a estiagem pode causar prejuízo para a colheita do ano que vem. Isso porque nesta época os pomares paulistas começam a ter as primeiras floradas. Sem chuva, a flor não tem força para se desenvolver e virar fruto. A esperança está na melhora do tempo nas próximas semanas, que beneficiaria as duas próximas floradas.

Para Flávio Viegas, presidente da Associação Brasileira de Citricultores (Associtrus), é inevitável que a safra do próximo ano carregue algum efeito negativo de 2010. “Se as flores dos pomares brotarem em um período mais seco, vão se desenvolver menos”, explica. Segundo ele, um dos prováveis efeitos tanto para esta safra quanto para a próxima, como resultado da colheita menor, será o aumento de preço da fruta.

A Cutrale, maior indústria de laranja do País, já processou pouco mais de 30% das frutas desta safra, diz o diretor corporativo Carlos Viacava. Segundo o executivo, a tática, tanto para a indústria quanto para os produtores, foi apressar a colheita para diminuir as perdas. Tanto que houve caso de formação de filas de caminhões de entrega na porta de algumas indústrias. “Sem chuva, metade das frutas do pé vai parar no chão e as laranjas ficam mais leves”, conta. Para Viacava, a maior preocupação está na safra de 2011. “Tem de chover em setembro para não comprometer as próximas floradas”, alerta.

Canaviais. A cana-de-açúcar vive o lado bom e o perverso da estiagem no Estado de São Paulo, onde não chove há mais de três meses em algumas regiões. Se por um lado a seca aumenta a concentração de sacarose na planta (que rende mais açúcar e mais etanol), por outro prejudica o seu desenvolvimento – a planta pode até secar, o que leva à perda de produtividade.

O resultado da estiagem, segundo Antonio de Padua Rodrigues, diretor técnico da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), é uma quebra de safra. A estimativa inicial da entidade era de uma safra de 620 mil toneladas de cana colhida na safra 2010-2011. O número foi revisado para 570 mil toneladas; queda de 8%. “Tivemos dois problemas consecutivos. O excesso de chuva no ano passado e a falta de chuva nesta safra”, explica.

Para completar o quadro, os produtores de São Paulo tiveram de interromper a queimada nos canaviais. A Cetesb restringiu a queima da palha em alguns regiões como resultado da baixa umidade relativa do ar. As usinas não confirmam, mas segundo um especialista do setor houve caso de usina que ficou sem cana para moer por alguns dias.

Segundo o secretário da Agricultura de São Paulo, João de Almeida Sampaio Filho, a preocupação com os efeitos da estiagem é real. “Se a quebra de safra for muito grave, a solução para os produtores será renegociar os financiamentos com o governo federal.”

No vermelho

30%

pode ser a quebra de safra na citricultura em 2010

8%

foi a revisão para baixo feita para a safra de cana-de-açúcar

PARA ENTENDER

A última vez que o Brasil sofreu com os efeitos climáticos de La Niña, segundo Ariane Frassoni dos Santos, meteorologista do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (Cepetec), foi em 2007.

Mas neste ano seus efeitos podem ser tão profundos quanto os de 2000, quando a estiagem foi mais prolongada em algumas regiões do País. A estimativa inicial da técnica é que pelo menos até o primeiro trimestre de 2011 o Brasil ainda sinta os reflexos de La Niña.

O La Niña leva a mudanças nas características climáticas. Pode, por exemplo, aumentar as chuvas no Nordeste brasileiro, ou agravar a seca no Centro Sul.

Seus efeitos podem ser sentidos não apenas entre os produtores rurais brasileiros. Já se fala da ameaça também entre os produtores de milho dos Estados Unidos, e da Índia, grande produtor de cana-de-açúcar.