As importações de etanol, que passaram de 900 milhões de litros em quatro meses deste ano, integram um movimento para tomar o mercado do biocombustível das empresas brasileiras do setor sucroenergético.
A avaliação é de Renato Cunha, presidente do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool (Sindaçúcar-PE). Ele concedeu entrevista exclusiva para o JornalCana em 27/06, durante o Ethanol Summit, na capital paulista, e às vésperas de a Câmara de Comércio Exterior (Camex) definir sobre a proposta de criar taxa sobre o etanol importado.
JornalCana – Quanto de etanol o Brasil importou em 2017?
Renato Cunha – Em apenas quatro meses desse ano importamos cerca de 900 milhões de litros. É um número exagerado para um país que produz quase 27 bilhões de litros do biocombustível feito da cana-de-açúcar.
O etanol [importado] tem sido direcionado mais para a região Norte/Nordeste do País?
Renato Cunha – Sim. Por conta dos portos existentes nos estados da região Norte/Nordeste. São portos modernos, com boa tancagem, automatizados, como é o caso do Porto do Itaqui, no Maranhão, e o de Suape, em Pernambuco.
Há algum benefício dos governos da região para atrair o etanol importado?
Renato Cunha – Não. Ao contrário, as pessoas tentam confundir mas o etanol que chega ao Maranhão, por exemplo, ele é cabotado, praticamente trocado por uma nota fiscal. É cabotado para outras regiões do País, onde há necessidade.
Essas importações são um exagero?
Renato Cunha – Sim, ocorre um exagero porque isso acarreta uma insegurança no sistema. As importações têm prejudicado muito o produtor de etanol do Norte e do Nordeste. Todos os países defendem seus empregos, e nós, do setor, estamos procurando evitar o dano para as destilarias da região.
Quanto do etanol vindo de fora chega pelo Norte/Nordeste?
Renato Cunha – Cerca de 80% das importações têm chegado a portos do Nordeste, ou seja, quase 700 milhões de litros em uma região que, em função da seca, poderia produzir 2,3 bilhões, mas estamos em uma performance de em torno de 1,6 bilhão.
Esse volume deverá repetir-se na safra 2017/18 da região?
Renato Cunha – A expectativa é de que a safra 17/18 se mantenha. Estamos todos empenhados nesse sentido. Agora é preciso que as políticas públicas não sejam contrárias à produção local do biocombustível da cana-de-açúcar.
Como assim?
Renato Cunha – Não se pode privilegiar e transferir renda, e sobretudo divisas do País, de forma desnecessária. Isso acarreta um desmonte da produção nacional.
As distribuidoras de combustíveis também importam etanol?
Renato Cunha – Sim. E quando as distribuidoras importam elas se auto-abastecem. E deixam de cumprir o compromisso que é o de adquirir o etanol feito aqui no País. Portanto, tem havido uma leniência muito forte por parte da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e, por outro lado, o Ministério das Relações Exteriores precisa tomar uma postura mais firme.
Como assim?
Renato Cunha – No dia 04/07 haverá reunião da Camex, que faz a gestão das tarifas de importação, e o Ministério das Relações precisa tomar essa postura. Há o objetivo de equilibrar o sistema e incentivar a competitividade dos países do Mercosul e tem ocorrido exatamente o contrário em função de uma abundância da [importação] do produto de milho dos Estados Unidos.
Qual sua avaliação?
Renato Cunha – Estão procurando tomar o nosso mercado de forma muito desprogramada.
O etanol de milho dos EUA custa menos que o feito da cana-de-açúcar no Brasil? É isso que torna o produto americano mais em conta para as importações?
Renato Cunha – Eles [os produtores americanos] têm muito subsídios. A qualidade do etanol de milho é muito inferior ao feito de cana. Não faz sentido o Brasil se empenhar fortemente em um programa como o Renovabio, que tem por objetivo fomentar uma melhor qualidade do etanol e incentivar a descarbonização, e trazer um combustível que no na sua fabricação tem processo eminentemente fóssil, que utiliza energias fósseis. É uma contradição que não dá para conviver dentro do nosso país.
Fale mais a respeito, por favor
Renato Cunha – Isso tudo é fruto do caráter autofágico. Há uma certa autofagia de quem ganhou dinheiro com essas importações. O setor parece que só procura se unir quando está com grandes dificuldades, como é o caso do momento. Todos os fundamentos do setor hoje não têm preços atrativos que equilibrem a equação de produção e do produtor.
Como assim?
Renato Cunha – O açúcar no mercado internacional não vive o melhor momento, o etanol está muito deprimido no Brasil, em função da política de atrelamento à gasolina. É uma política artificial que continua existindo. E a ausência de incentivos para a produção de combustível líquido não permite descolamento para se beneficiar o combustível que promove melhoria ambiental. Além de tudo, há essa importação de etanol, que ocupa o espaço do etanol brasileiro.
A função do etanol importado é ser adicionado à gasolina?
Renato Cunha – Ele é anidro e a função principal dele tem sido a mistura com a gasolina. Eu lamento, inclusive, porque [o anidro] tem qualidade inferior, discutível sobre o ponto de vista ambiental. As distribuidoras aproveitaram a brecha de poder trazer e fazem isso.
Há distribuidoras que importam e que também produzem?
Renato Cunha – Há também distribuidoras que importam e que também são produtoras porque são híbridas. Trazem o etanol achando que essa arbitragem financeira fará com que elas fiquem mais fortes, quando é o contrário. Esse ato inconsequente é um ato que prejudica a indústria nacional e eles mesmos [distribuidoras] terão, na ponta da produção, dificuldades.
Caso o etanol importado seja taxado em 17%, como quer o setor, isso servirá para conter as importações?
Renato Cunha – Não é suficiente, mas é um freio de arrumação nessa autofagia. A verdade é que muita gente tem procurado ganhar muito com essas operações, prejudicando a produção nacional. No médio e no longo prazo, estarão prejudicando eles mesmos.