Tanto representantes do governo do Estado quanto empresários acreditam que o Rio Grande Sul possa ser auto-suficiente no atendimento do mercado gaúcho de álcool combustível. Apesar de atualmente contar com apenas uma usina produtora de álcool, em Porto Xavier, pesquisas e incentivos pretendem aumentar o número de produtores de biocombustíveis no Estado.
No ano passado, o executivo estadual implantou o Comitê Gestor dos Arranjos Produtivos de Bioenergia do Estado do Rio Grande do Sul (AP/Bionergia RS), para estimular a produção de fontes alternativas de energia, principalmente a partir de matéria-prima agrícola. Isso significa estímulo ao cultivo de cana-de-açúcar e de oleaginosas, como colza, girassol, amendoim, soja, linhaça e mamona. Além disso, a Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro) estuda as melhores condições de produção de álcool a partir da cana-de-açúcar ou da mandioca.
O coordenador da área agrícola do Projeto Estruturante de Agroenergia para o Rio Grande Sul, Nídio Antonio Barni, informa que a Fepagro iniciou há cerca de dois anos pesquisas para identificar genótipos de mandioca com elevado teor de amido. Com um percentual de 30% de amido, uma tonelada de raiz de mandioca pode produzir de 180 litros a 190 litros de álcool por hectare. Já uma tonelada de colmo de cana-de-açúcar pode produzir 75 litros de álcool. “A mandioca é uma espécie quase cosmopolita que pode ser plantada em todo Brasil. A idéia é conseguir produzir de 40 toneladas a 50 toneladas de raízes por hectare no Rio Grande do Sul para poder competir com o mercado do álcool produzido a partir da cana-de-açúcar em São Paulo e no Nordeste”, revela Barni.
Jefferson Klein
Os estudos da Fepagro também visam desenvolver mudas de variedades de mandioca livres de doenças.
O Projeto Estruturante de Agroenergia pretende fomentar o desenvolvimento da lavoura de mandioca com abertura de destilarias de álcool na região da fumicultura gaúcha. Nídio Antonio Barni explica que essa região seria propícia para o cultivo porque nessa localidade há a tradição de produção utilizando a mão-de-obra familiar. “A mandioca depende da mão-de-obra familiar especialmente quando da colheita das raízes”, relata Barni. Essa iniciativa será desenvolvida com a Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra) e com outros agentes da região. Barni afirma que o Rio Grande do Sul transfere atualmente recursos da ordem de R$ 1,2 bilhão ao ano para outros estados devido à aquisição do álcool e do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) que essa operação gera.
A Fepagro também realizará pesquisas quanto à potencialidade das variedades de cana-de-açúcar para tentar atingir a produtividade de cem toneladas de colmo por hectare. “Claro que a cana-de-açúcar tem uma limitação maior no Rio Grande do Sul já que se trata de uma espécie tropical e as geadas intensas limitam seu cultivo em todo o Estado”, argumenta Barni. Ele explica que o frio abaixo de zero grau provoca a inversão da sacarose, o que inviabiliza a produção de açúcar. No entanto, Barni acrescenta que, mesmo com a inversão da sacarose, a cana-de-açúcar serve para a fabricação de álcool. A expectativa é de que em um ou dois anos esteja consolidado um zoneamento definindo as áreas para produção de açúcar e de álcool no Estado.
Uma possível disputa entre a mandioca e a cana-de-açúcar diminuiria a dependência de uma única cultura que hoje é usada como justificativa para elevar o custo do álcool durante o período de entressafra. O coordenador da área agrícola do Projeto Estruturante de Agroenergia defende que a diversificação dos produtores de álcool é importante até para viabilizar a exportação do combustível. Ele lembra que países asiáticos, como o Japão e a China, já manifestaram interesse em adquirir álcool brasileiro. Quanto ao Rio Grande do Sul, Barni acredita que o Estado tem potencial para ser auto-suficiente. Ele lembra que antes da década de 1960, antes da expansão da soja, o Rio Grande do Sul tinha em torno de 400 mil hectares de mandioca plantada. Com incentivo, Barni prevê que será possível que até 1 milhão de hectares sejam destinados à cultura da mandioca.
O secretário-adjunto da Secretaria estadual da Agricultura e coordenador do projeto de pólo de produção, Marcos Palombini, concorda que o Rio Grande do Sul tem um potencial muito grande para a produção de álcool. “Nós já temos uma produção no Vale do Rio Uruguai e talvez essa região seja a de maior potencial no Estado”, avalia Palombini. Ele também destaca o potencial das regiões da Fronteira Oeste, da Depressão Central e do Litoral Norte. “O grande problema é que não tínhamos pesquisa. É preciso encontrar as variedades específicas de cana-de-açúcar adaptadas ao clima do Rio Grande do Sul”, diz. Ele acrescenta que ainda não se sabe se a melhor opção é utilizar uma cana-de-açúcar similar à plantada nos países que fazem fronteira com o Rio Grande do Sul ou parecida com a cultivada em outros estados brasileiros. Palombini também destaca que cedo ou tarde o álcool será um combustível alternativo ao petróleo com grande uso. Ele adianta que a produção do álcool se dará ao mesmo tempo que o início da fabricação de biodiesel. “Um não inviabiliza o outro. Nós temos espaço e condições para produzir os dois”, defende Palombini.
Coopercana planeja produzir 9 milhões de litros até 2008
A única usina de álcool do Rio Grande do Sul pretende aumentar a produção de álcool de cinco milhões de litros ao ano para nove milhões de litros anuais até 2008. Constituída em 1985 pela Alpox, a usina de álcool de Porto Xavier faliu no final da década de 1990. Em 1999 os funcionários da empresa se organizaram e formaram uma cooperativa que alugou a massa falida da companhia e começou a operar com o nome de Produtores de Cana Porto Xavier (Coopercana).
Em 2004 os cooperativados compraram a empresa. O secretário da Coopercana, Gildo Bratz, cita como um dos fatores que contribuíram para o insucesso inicial da atividade a resistência por parte dos agricultores de realizar o plantio da cana-de-açúcar. “O agricultor não estava envolvido de forma direta, ele não tinha muita vantagem e a produção da usina acabou ficando na faixa de 30% do máximo de sua capacidade”, lembra Bratz. Devido à esse cenário, os agricultores resolveram “encampar” a empresa através da cooperativa. “Adotamos um novo sistema de gestão, dos próprios funcionários e dos agricultores que ficaram envolvidos no processo produtivo”, informa Bratz.
Atuam de forma direta na indústria atualmente cerca de cem trabalhadores. Em períodos de safra, no campo, trabalham de 800 a 900 pessoas. A cooperativa tinha traçado um plano estratégico para atingir a capacidade máxima de fabricação de álcool, que é de cerca de 9 milhões de litros de álcool, neste ano. No entanto, a estiagem atrapalhou os planos da empresa e a meta só deve ser atingida em 2007 ou 2008. No ano passado, a Coopercana produziu em torno de 5 milhões de litros do combustível. Hoje a planta de Porto Xavier processa cerca de 80 mil toneladas de cana-de-açúcar. Operando com sua capacidade máxima a usina utilizaria em torno de 130 mil toneladas. A companhia produz cerca de 2% do álcool consumido no Rio Grande do Sul.
Produto vendido aos gaúchos é um dos mais caros do País
Um dos fatores que encarece o preço do álcool no Estado é o fato de que quase todo volume comercializado no Rio Grande do Sul é oriundo do município paulista de Ourinhos. O vice-presidente do Sindicato Intermunicipal do Comércio Varejista de Combustíveis e Lubrificantes do Rio Grande do Sul (Sulpetro), Adão Oliveira, calcula em R$ 0,12 o custo do frete. Ele salienta que o álcool no Rio Grande do Sul é um dos mais caros do Brasil. Oliveira revela que está adquirindo a gasolina para revender em seu posto a R$ 2,39 o litro e o álcool está sendo comprado a R$ 2,40. “Isso faz com que a comercialização do álcool seja quase inviável porque não é possível colocar uma margem de revenda que cubra os custos de operação”, lamenta Oliveira.
Ele relata que o aumento da produção de álcool no Rio Grande do Sul contribuiria para tornar o produto mais competitivo. “Além disso, o governo gaúcho poderia adotar a medida do poder público paulista que baixou a alíquota do ICMS do álcool de 25% para 12%. O álcool é tributado no Rio Grande do Sul, em ICMS, em 28%”, ressalta Oliveira. “Sem dúvida o grande problema do Rio Grande do Sul é que nós não temos produção de álcool aqui.”, avalia o gerente comercial da Latina Distribuidora de Petróleo, Luiz Henrique de S. Merello. Ele lembra que o mercado vive agora, quanto ao custo, o pior momento do álcool que é o que antecede a safra.
Merello informa que a venda de álcool nos postos caiu e ele explica que para o insumo ser competitivo ele precisa ter um custo no mínimo 30% abaixo da gasolina. “Hoje o álcool está, em alguns locais, mais caro que a gasolina. No momento a comercialização está inviável”, lamenta o gerente comercial da distribuidora. Ele esclarece que a Latina mantém um estoque estratégico para atender ao revendedor, mas praticamente nenhum posto tem adquirido álcool. Merello revela que as grandes companhias que atuam no Estado, como a BR Distribuidora e a Ipiranga, têm operado com prejuízos para não onerar tanto seu revendedor.
O diretor-técnico da Federação Nacional de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis), Aldo Guarda, argumenta que sem subsídios a concorrência entre álcool e gasolina seria insustentável. Ele informa que o custo de produção de um litro de álcool é de R$ 1,29 e o de um litro de gasolina é de R$ 1,00. O que torna a gasolina mais cara para consumidor final, na bomba, é a maior carga tributária do combustível derivado do petróleo. “O mercado hoje está desequilibrado e quem adquiriu um automóvel bicombustível está optando apenas pela gasolina”, destaca Guarda.
O diretor-técnico da Fecombustíveis afirma, no entanto, que seria uma traição aos consumidores que apostaram nos veículos a álcool se o governo deixasse de intervir no mercado. Guarda defende que se aguarde o final do período de entressafra para verificar se em abril o preço da cana-de-açúcar começará a cair. Ele alerta que se o custo da produção de um litro de álcool não baixar do patamar de R$ 1,00 será muito difícil fortalecer a venda do produto. Outro fator que pode pressionar o preço da cana-de-açúcar é a perspectiva do aumento do número de usinas no estado de São Paulo. Segundo Guarda, 32 novas usinas paulistas pretendem iniciar operações e isso, devido à maior procura, poderá elevar o preço da matéria-prima.
Prefeito pretende devolver a Agasa
Se há boas perspectivas para novos investimentos em São Luiz Gonzaga, um antigo empreendimento do setor incomoda a administração de Santo Antônio da Patrulha. O município pretende devolver ao Estado a responsabilidade sobre a Açúcar Gaúcho S/A (Agasa). O prefeito de Santo Antônio da Patrulha, José Francisco Ferreira da Luz, recorda que a Agasa encerrou as atividades ao final da década de 1980 e foi municipalizada em 1994. “Estamos realizando um processo para devolver a Agasa ao Estado porque além dos prédios, foi repassada uma dívida de cerca de R$ 4 milhões”, informa Luz. O prefeito diz que já foi feita a tentativa de reativar a Agasa para a produção de álcool, mas a necessidade de produção em grande escala impediu a concretização do projeto.
O coordenador da área agrícola do Projeto Estruturante de Agroenergia para o Rio Grande Sul, Nídio Antonio Barni, explica que a Agasa foi criada para absorver a produção de cana-de-açúcar de pequenos produtores localizados no Litoral Norte do Estado. “Toda vez que se visa a operação de algo que demande produção em escala, é necessário ter assegurado um volume de matéria-prima que independa da vontade de um ou de outro fornecedor”, diz Barni. Ele lembra que as usinas de álcool de São Paulo detêm mais de 50% da produção da matéria-prima e não dependem tanto de terceiros. A Agasa dependia 100% de pequenos produtores, que às vezes optavam pela venda de melado, cachaça, rapadura e outros produtos.
Criada no início da década de 1960 pelo governador Leonel Brizola, “a Agasa enfrentou dificuldades”, lamenta o presidente regional do PDT, Matheus Schmidt. “Certos incentivos para produção de açúcar valiam para o Nordeste e não valiam para o Estado”. Para Marcos Palombini, “o projeto faraônico não era compatível com a realidade da produção de cana da região, foi uma lástima. Mas, a cana-de-açúcar tem potencial no Estado”, acredita.
Nova usina será instalada em São Luiz Gonzaga
A empresa Globorr Indústria e Comércio, com sede em Guapiru (SP), está com negociações adiantadas para colocar em prática um projeto de produção de álcool, açúcar e energia elétrica em São Luiz Gonzaga. Até o final do mês um protocolo de intenções para implantação da unidade será assinado pelo governo do Estado e os empresários envolvidos com o projeto.
A produção de 1 milhão de toneladas de cana-de-açúcar por safra (de dez meses) deve envolver 50 produtores do município missioneiro, com o cultivo de 12 mil hectares nos próximos três anos, quando começaria a funcionar o projeto. O investimento previsto para produzir 100 milhões de litros de álcool ao ano é de R$ 140 milhões, com a geração de 3,5 mil empregos diretos. O secretário estadual de Energia, Minas e Comunicações, Valdir Andres, prevê um potencial para a construção de uma usina de biomassa de até 30 MW de potência instalada, que utilizariam 900 mil toneladas de bagaço de cana por safra.