O acordo fechado na quarta-feira entre governo e produtores de álcool para manter o preço do litro nas usinas em R$ 1,05 foi considerado por especialistas da área como ineficaz e até mesmo prejudicial para o desenvolvimento do setor. Os especialistas avaliam que a intervenção de preço cria uma incerteza artificial, que prejudica os planos da Petrobras de aumentar a exportação do produto e desestimula os investimentos no setor. Ao mesmo tempo acreditam que o acordo não será implementado na prática.
Oscilações de preços de commodities são esperadas em qualquer setor de atividade, mas o tema acabou ganhando uma repercussão muito maior do que merecia, segundo os especialistas. “Não é novidade que o preço do álcool iria subir na entressafra, já que a demanda está em alta”, afirma o professor titular da Universidade Federal de Itajubá, Luiz Augusto Horta Nogueira. A anormalidade, segundo ele, foi criada artificialmente pelo governo ao intervir no mercado. Na sua opinião, o próprio mercado se ajustaria, primeiro em razão da redução da demanda forçada pela elevação dos preços, já que o proprietário de carro flex passaria a consumir gasolina e, segundo, pelo aumento de oferta com a antecipação da safra para março.
Nem sempre definir regras para o funcionamento do mercado é nocivo, na opinião do professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio (UFRJ), Edmar Fagundes de Almeida. Mas ele acredita que a forma como o acordo foi realizado só gerou insegurança sobre a sustentabilidade do programa de exportação, que está sendo desenhado. Ele defende que sejam traçadas regras claras e de longo prazo em discussões conjuntas com o setor, por meio da criação de uma espécie de câmara do álcool.
“Se o governo e a sociedade não estão dispostos a ficarem sujeitos às oscilações de preços inerentes a um mercado livre, devem construir mecanismos pré-estabelecidos que possam ser acionados nestes momentos”, diz Almeida.
SAZONALIDADE NO SETOR SEMPRE VAI EXISTIR
O problema do acordo realizado agora foi não pensar em uma solução de longo prazo, já que a sazonalidade no setor sempre vai existir. “O governo agiu de maneira imediatista e deu um sinal errado para o consumidor ao dizer que o preço do álcool será sempre R$ 1, quando na verdade a commodity vai variar pelas forças de oferta e demanda”, afirma o professor da UFRJ, membro do grupo de energia da universidade.
Uma solução seria utilizar o mercado futuro do álcool na Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F) já existente. “O aumento da liquidez dos papeis negociados na BM&F teria a função de diminuir as oscilações de preços”, diz Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE). Ele lembra que no primeiro e segundo choques do petróleo a elevação de preço foi brutal e na crise atual aconteceu de forma mais gradual em razão da existência de um mercado futuro.
Questionado sobre a atuação de hedge funds que especulam com o mercado futuro e têm feito pressões para aumento do preço do barril de óleo, Pires diz que esses investidores tanto alimentam o preço para cima como para baixo, mas o importante é que as oscilações são menores.
O acordo para manter o preço do álcool a R$ 1,05 teria dois cenários possíveis, na opinião de Pires: ou o produto vai desaparecer ou o acordo não será cumprido. “Hoje mesmo, tive informação de distribuidoras paulistas de que o álcool está saindo das usinas a R$ 1,10”, comenta Pires. Já Almeida, da UFRJ, alerta para o fato de a demanda aumentar ainda mais com a sinalização do governo de que o álcool sempre será barato. “Daqui a dois ou três anos podemos ter uma demanda muito maior, causando desequilíbrio em relação à oferta”, diz ele. Para Pires, a fixação de preço não será mantida e servirá apenas para causar incertezas e enfraquecer a estratégia de exportar do Brasil.
Em evento realizado na quarta-feira pela Petrobras em Santos, o diretor de Energia e Gás da empresa, Ildo Sauer, reafirmou a intenção da estatal de aumentar as exportações de álcool, neste ano, para 250 milhões de litros, cinco vezes acima do volume vendido hoje, de 50 milhões de litros. “A Petrobras garante a entrega do produto para o comprador externo”, diz o diretor. Ele negou que as exportações possam resultar em desabastecimento interno: “Não vai faltar álcool”, afirma Sauer.
Nogueira, da Universidade de Itajubá, também acredita que não faltará álcool. “O incremento de produção está a caminho, com dezenas de novas usinas em formação. Hoje o usineiro não é o mesmo da década de 90 quando faltou álcool, os negócios não são mais familiares”, afirma. Ele lembra que naquela ocasião o preço da gasolina estava baixo, o do açúcar alto e não existiam os carros flex. “É preciso lembrar que o carro flex existe para que seja feita a opção entre o combustível mais barato. Ele não é um carro a álcool”, diz Nogueira.