A desregulamentação abrupta do setor sucroalcooleiro em 1997, que durante séculos foi inteiramente tutelado pelo governo, provocou a mais séria crise já vivida na história da cana-de-açúcar no Brasil. A planta, que chegou junto com os primeiros portugueses, foi e continua sendo matéria-prima para uma das mais importantes atividades agrícolas e econômicas do País.
Se é verdade que o Proálcool já acabou e cumpriu com o seu papel de amenizar os efeitos do primeiro choque de petróleo (1973), além de distribuir renda e desenvolver regiões que antes eram ocupadas por cerrado improdutivo ou pela pecuária, que foi substituída pela cana e acabou ocupando outras áreas, o programa volta a ser discutido com enfoque de defesa do meio-ambiente.
Como tem defendido o ex-ministro e ex-secretário de Ciência e Tecnologia, José Goldenberg, a “onda do futuro” mostra que os países mais avançados estão investindo pesadamente no desenvolvimento de energias renováveis, que são alternativas viáveis às energias fósseis, que acabarão por se exaurir. A União Européia decidiu recentemente que, no ano 2010, cerca de 12% de toda a sua energia deverá ser proveniente de fontes renováveis.
No Brasil cerca de 60% de toda a nossa energia já é renovável. No caso do álcool, por exemplo, as tecnologias em uso, tem sido desenvolvidas aqui ou se encontram totalmente dominadas pela engenharia nacional e por empresas aqui estabelecidas há muito tempo. Por isto, não podemos abandonar um programa que hoje atende a um consumo de 6 bilhões de litros (álcool hidratado, sem contar outros 6 bilhões de litros de álcool anidro, misturado à gasolina e agora também ao diesel) ao ano devido ao sucateamento da frota.
Daqui a quatro anos, cerca de 1 milhão de veículos a álcool devem sair de circulação por conta deste sucateamento. Dentro de 12 anos, se nada for feito, as 26 mil bombas de álcool hidratado dos postos podem ser retiradas. No ano passado, os governos do Estado de São Paulo e federal, produtores, plantadores de cana e trabalhadores, juntos com as montadoras (Anfavea), assinaram o “Pacto do Agronegócio Sucroalcooleiro”.
O “Pacto” manteve 1,2 milhões de empregos (600 mil só no Estado de São Paulo), o governo concedeu redução de tributos para as montadoras, e estas, não honraram até hoje o compromisso de voltarem a produzir carros a álcool. Já provamos que há grande mercado para este tipo de veículo e tudo faz crer que há, como denunciou ainda recentemente o deputado federal Antônio Palocci (PT-SP), um “pacto sinistro” entre o governo federal e as montadoras para não produzirem o carro a álcool.
Segundo denúncia do deputado Palocci (prefeito eleito em segundo mandato à Prefeitura de Ribeirão Preto), é o BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) quem financia as montadoras que importam 43% de todos os componentes para produzirem carros que tem apenas 57% de peças produzidas no Brasil. Junto com as peças, estamos importando mão-de-obra estrangeira e desempregando a nossa.
Com a alta do petróleo e do dólar, a situação da Petrobrás é hoje bem diferente daquela por ocasião do primeiro choque do petróleo. Em 1973, importávamos 70% do petróleo consumido internamente. Hoje, já produzimos 70% do que consumimos e a Petrobrás salta para um lucro operacional espetacular este ano (R$ 10 bilhões, contra R$ 1,7 bilhão em 1999). A Petrobras não pode mais fazer o jogo internacional dos produtores de petróleo e investir contra o nosso combustível verde-amarelo.
A pressão que os países desenvolvidos – Estados Unidos à frente – estão sofrendo na Convenção Sobre Mudança Climática realizada na Holanda, aponta para outro benefício que a cana-de-açúcar e o álcool produzem para o nosso meio-ambiente. Como sequestra gás carbono (C02), o álcool contribui para reduzir o efeito estufa e por isto está a caminho de se tornar uma commoditie ambiental. Pelo Protocolo de Kyoto, firmado no Japão em 1997, empresas poluentes poderão trocar a emissão de gases pela compra de certificados de créditos de carbono e é o etanol quem pode validar tais documentos.
O que falta então? Organização das entidades que representam a cadeia produtiva do setor sucroalcooleiro para a defesa da inserção do álcool na matriz energética (da cana, além do açúcar e do álcool, já se produz, a preços competitivos energia elétrica e plástico biodegradável), um projeto para desenvolver a alcoolquímica, o uso do álcool anidro (mistura à gasolina e ao diesel) no âmbito dos países do Mercosul e estimular que os veículos a álcool voltem a ser produzidos em escala que atenda a demanda do mercado.
Ainda na semana passada, em Sertãozinho, os prefeitos eleitos e reeleitos, juntamente com os deputados da região de Ribeirão Preto, decidiram se organizar e formar uma frente política de defesa da cadeia produtiva do setor sucroalcooleiro. Já ficou agendado um encontro nacional de prefeitos dos municípios canavieiros para o próximo mês de março, entre outras providências, quando o futuro do setor será discutido com visibilidade e responsabilidade.
Manoel Ortolan, engenheiro agrônomo, presidente da Associação dos Plantadores de Cana do Oeste do Estado de São Paulo e da regional Ribeirão Preto da Amcesp (Associação dos Municípios Canavieiros do Estado de São Paulo).