Uma dúvida põe em cheque os rumos da agricultura mundial: o crescimento da demanda por energia terá impacto na produção de alimentos? Com o aumento da procura por combustíveis alternativos aos derivados de petróleo, há uma tendência de que produtos até então destinados a reduzir a fome, como açúcar e grãos, sejam disputados também pela indústria automobilística e por companhias de energia.

A exemplo do Brasil, os Estados Unidos se mostram seriamente empenhados na criação de uma fonte de energia limpa e alternativa. Já este ano, parte da safra norte-americana de milho será destinada à produção de etanol. Desde o início de 2006, 25 usinas começaram a funcionar no país e outras 94 estão em construção. “Por enquanto, trata-se mais de uma perspectiva do que de uma realidade”, afirma Vinicius Ito, analisa do mercado de milho da consultoria Fimat Futures. De fato, da safra global dos EUA, estimada em 279 milhões de toneladas de milho, apenas 9% serão abocanhados este ano pela nova indústria. “Mas essa tendência coloca em discussão o futuro da produção de alimentos”, diz o analista.

A probabilidade de faltar alimento, no entanto, é pequena. Concorrentes dos EUA como Argentina e Brasil podem aumentar suas safras de milho para suprir o mercado. Já soja, trigo e sorgo podem ganhar força com isso. “No caso da ração animal, o farelo de soja substitui perfeitamente o milho”, avalia Ito. Além disso, as oleaginosas também podem ser destinadas à fabricação de biocombustível.

De qualquer maneira, as perspectivas de mercado são de que, após tendência de alta dos preços dos grãos, haja uma acomodação. “Extraída toda a energia do milho, ainda resta uma farinha seca que detém 60% de proteína, que pode ser usada na fabricação de ração animal, inclusive com menor custo”, diz Ito.

Motivados por questões ambientais ou financeiras, os principais países do mundo estão interessados em investir em fontes alternativas de energia. “Para combater a indústria do petróleo, que movimenta um trilhão de dólares, é preciso que diversos combustíveis alternativos sejam desenvolvidos, pois apenas um ou dois não causarão impacto”, diz Vijay Vaitheeswaran, correspondente da revista The Economist em Nova York e autor do livro Power to the People, um profundo estudo sobre as conseqüências dessa nova revolução energética. Segundo ele, as únicas experiências sustentáveis de produção de energia renovável são a americana e a brasileira. “Os programas desses dois países se complementam e podem ser disseminados por todo o planeta”, diz.

No Brasil, 30 anos após a criação do Proalcool, 47% da frota de veículos do país já consome o combustível, gerando demanda para um bilhão de litros por mês. “Temos mais mercado a conquistar. Afinal, o etanol é o único combustível sustentável existente no mundo”, diz Eduardo Pereira de Carvalho, presidente da Unica – União Canavieira do Estado de São Paulo.

Segundo estudo da instituição, o consumo de álcool em todo o mercado pode dobrar em cinco anos. Com isso, será necessário elevar em 50% a área de cultivo de cana no Brasil, atingindo 8,1 milhões de hectares – o equivalente à área do Rio de Janeiro somada a quase toda do Espírito Santo. A expansão de plantio tomará, na verdade, São Paulo, Goiás, Mato Grosso e Minas Gerais. A tendência é ocupar áreas de pastagens, mas sem queda na produção de carne, uma vez que a pecuária está se tornando cada vez mais intensiva.

Com a ampliação, a safra de cana está projetada em 600 milhões de toneladas em 2011, dos quais 53% destinados à produção de álcool. Uma vez que a produção de álcool cresça, a de açúcar cairá, com conseqüente aumento de preço. “São as leis de mercado”, diz Ito. E são essas leis que devem orientar uma batalha de gigantes. De um lado, 900 milhões de pessoas famintas. “De outro, 1,6 bilhão de habitantes sem acesso à energia moderna”, diz Vaitheeswaran.