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Energia que depende de São Pedro

Desde 2001, quando viveu o racionamento energético, até hoje, o Brasil não conseguiu reduzir sua dependência da matriz hídrica para gerar energia. Segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), no ano do apagão 88,5% da energia brasileira vinha de hidrelétricas. Em 2006, último dado disponível, essa fonte representou 91,8% do total, incluindo geração em usinas nacionais e Itaipú, cuja produção é dividida com o Paraguai.

No período, novas fontes de energia apareceram entre as geradoras, como eólica e biomassa, mas as duas somam pouco mais de 0,11% do total. Outras fontes, como as térmicas, também não se mostraram capazes de resolver o problema. Movidas a gás natural, seu funcionamento fica sujeito à instabilidade do mercado internacional, principalmente da Bolívia, de onde vem o combustível importado. Há ainda diversos projetos de geração de energia que não saíram do papel, por entraves ambientais ou outro tipo de problema.

A superintendente técnica da Sociedade Mineira de Engenheiros (SME), Ângela Menin, diz que a matriz hídrica sempre vai prevalecer no Brasil, por ser uma fonte abundante e barata, mas defende uma divisão mais equilibrada com outras fontes. “Na época do racionamento, o Brasil deveria ter feito investimento para equacionar o problema da compra de gás, mas não o fez. Esse descompasso gera a instabilidade no abastecimento”, diz.

O presidente do conselho administrativo da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), Lindolfo Paixão, diz que, além das obras que não foram feitas nos últimos anos, o esperado crescimento econômico dos próximos anos também pode acelerar a crise energética. Segundo ele, quando o governo lançou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) deveria ter se preocupado com a infra-estrutura. “O consumo vai crescer, a economia vai crescer e vai faltar energia”, critica Paixão.

Descentralizar

Para os especialistas, não existe mais tempo para concretizar grandes projetos antes que a crise energética se torne fato, mas pequenas iniciativas podem ajudar a reduzir a carga sobre o sistema. O diretor-presidente da comercializadora de energia CMU, Walter Fróes, diz que pesquisas podem apontar soluções a médio e longo prazo, mas de imediato aconselha uma matéria- prima já disponível. “A saída pode estar no setor sucroalcooleiro, destaca.

Ele afirma que as plantações de cana-de-açúcar fornecem um insumo capaz de gerar energia a um custo muito menor do que as termelétricas a gás: o bagaço. “Assim como o gás, o carvão ou o óleo são queimados nas usinas para gerar vapor e depois energia, o bagaço da cana também pode fazer essa função. Algumas usinas de açúcar e álcool já reutilizam o insumo”, ressalta Fróes, lembrando que hoje grande parte desse bagaço é jogada fora.

Segundo ele, o governo até teve boas intenções com a criação do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), em 2002. O programa previa a contratação de 3.300 MW de energia para o Sistema Interligado Nacional (SIN) produzidos por fontes alternativas (eólica, biomassa e pequenas centrais hidrelétricas), mas o programa não foi levado adiante. “Não andou, nada foi feito de fato de lá para cá”, questiona Fróes.

Na ponta do consumo, Ângela Menin diz que é necessário mudar a cultura no uso de alguns equipamentos e sugere que o governo dê uma forcinha ao bolso e aos hábitos do brasileiro. “Poderia haver financiamentos para instalação de sistemas solares no lugar dos chuveiros”, sugere. Segundo a Eletrobrás, o chuveiro representa 24% do consumo domiciliar no país. Além de ajudar, ela também defende a punição. “Se a tarifa de energia fosse mais cara no horário de pico, as pessoas deixariam de usar o chuveiro e outros equipamentos nesse horário”, diz. (Ana Paula Pedrosa e Queila Ariadne)