Quando se formou em biologia 20 anos atrás, Alexandre Rosado não imaginava que um dia daria entrevistas sobre o futuro energético do planeta.
Naquela época, o aquecimento global era quase um mito, o preço do petróleo não chegava nem perto dos US$ 100 o barril e o programa de álcool brasileiro parecia sem futuro.
Agora, a história é outra.
A “redescoberta” do etanol e a busca por novas fontes de energia renovável a partir de plantas está transformando completamente o cenário científico da indústria de combustíveis.
O líquido energético que antes precisava ser extraído de rochas profundas agora é plantado na superfície, colhido, e plantado de novo.
Em vez de brocas, sonares e capacetes, os especialistas agora usam pinças, microscópios e jalecos brancos.
As plataformas de petróleo viraram colheitadeiras.
A geologia cedeu lugar à biologia.
E Alexandre Rosado ganhou uma nova função.
Enquanto a Petrobras anuncia a descoberta de reservas petrolíferas milhares de metros abaixo da superfície, ele e outros biólogos ao redor do mundo vasculham o intestino de peixes, vacas e cupins a procura de micróbios capazes de digerir celulose e produzir os biocombustíveis do futuro.
“É um momento muito interessante, a área está super quente”, diz Rosado, professor há dez anos do Instituto de Microbiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e chefe do Laboratório de Ecologia Microbiana Molecular.
Mais especificamente, os cientistas estão à caça de enzimas com ação celulolítica – ou seja, capazes de quebrar as moléculas longas e duras de celulose em moléculas menores e mais “digeríveis” (do ponto de vista de uma levedura), que possam ser aproveitadas nos processos clássicos de fermentação para produção de etanol.
E não há lugar melhor para isso do que o intestino de animais herbívoros, fundos de lagos e outros ambientes exóticos onde matéria vegetal é naturalmente degradada.
A falta dessas enzimas, chamadas celulases, é um dos principais entraves à produção de etanol de celulose.
“As enzimas que temos hoje são muito ineficientes e caras”, explica Paulo Arruda, biólogo molecular da empresa Alellyx, de Campinas.
“Precisamos digerir mais bagaço com menos enzima.
“
produção.
Os especialistas em produzir celulase na natureza são microrganismos.
Na UFRJ, os cientistas estudam o arsenal enzimático de micróbios que vivem no intestino de peixes cascudos da mata atlântica.
Dentre as centenas de bactérias identificadas, duas novas espécies já foram isoladas e caracterizadas.
“São tipos tão diferentes que talvez sejam até gêneros novos”, diz Rosado, que orienta a pesquisa em parceria com a cientista Elba Bon, do Instituto de Química.
O trabalho compõe a tese de mestrado do aluno André Castro.
Outro projeto do laboratório é o estudo de comunidades microbianas da água de bromélias – aquelas “piscininhas” que se formam na base das folhas e estão recheadas com microrganismos.
Cerca de 500 espécies já foram isoladas e 80%, segundo Rosado, têm ação celulolítica.
“A motivação inicial era apenas estudar a biodiversidade microbiana desses ambientes.
Quando vimos o potencial que isso tinha para os biocombustíveis, porém, iniciamos a busca por enzimas também”, conta o cientista.
Ele exalta o potencial biotecnológico da biodiversidade brasileira: “Temos reservatórios enormes de genes, enzimas e microrganismos que não são explorados”, diz.
Nos EUA, um dos líderes nessa área é o microbiólogo Jared Leadbetter, do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), que trabalha em parceria com a empresa Verenium.
Em 2007, ele e vários cientistas da empresa publicaram na revista Nature Biotechnology uma análise de genes e proteínas de bactérias do intestino de cupins. (Fonte: Jornal do Commercio/RJ