Flexibilidade pouca é bobagem. Os carros bicombustíveis nem completaram dois anos e os fabricantes de autopeças já trabalham a todo o vapor na evolução do sistema. A maior atração do congresso da Sociedade de Engenharia Automotiva (SAE), na semana passada, em São Paulo, foi a queda-de-braço entre a Bosch e a Magneti Marelli com seus novos protótipos flexfuel. Melhor para nós, que pudemos antecipar o futuro e dar umas voltinhas no Polo Trifuel turbo, da Bosch, e na Parati Tetrafuel, da Marelli.

Em ambos os veículos foi acrescentado um kit-gás ao motor, que funciona também com gasolina, álcool ou a mistura dos dois. Isso, o recém-lançado Astra Multipower já tem — mas os protótipos vão além. Para começar, tudo neles é controlado por uma única central eletrônica (enquanto no Astra há o módulo comum e outro adaptado).

No Polo, que tem motor 1.6 8v, a Bosch instalou um turbo Garret, igual ao do Golf a diesel europeu. Se o tri aspirado já era muito bom, quase não tendo mudança de desempenho entre gás e gasolina — como constatamos em março — com a turbina ficou pura diversão.

O melhor é que, rodando com GNV, ele fica com mais potência e força do que com gasolina. Com o combustível gasoso, dá vontade de ficar desacelerando só para sentir o tranco das reacelerações. Com uma mistura de 70% de gasolina e 30% de álcool no tanque, o Polo também fica bem temperado, mas menos espevitado.

O segredo desse comportamento é a turbina controlada eletronicamente, que varia a pressão de 0,2bar, só com gasolina, a 0,7bar, só com álcool, e 0,8bar, com GNV. Empurrando mais ar para a mistura e aumentando a pressão nas câmaras de combustão, o turbo otimiza o uso do gás e faz o motor render 109cv de potência, contra 86cv do antigo protótipo aspirado. Com gasolina, o Trifuel tem 104cv e, com álcool, são 119cv.

Pena que este sistema com “todo o gás” irá demorar para chegar às ruas.

— A tecnologia está pronta, mas nossas pesquisas mostram que o consumidor só deixará de relevar a perda de desempenho do kit-gás, para exigir um equipamento mais moderno, daqui a uns três anos — explica Fábio Ferreira, gerente de Aplicação de Produtos da Bosch.

Tetra roda com gasolina misturada ou pura

O sistema tetrafuel, porém, já deverá estar em carros de série em 2005. Mas o que é um tetra? Na prática, é um tri refinado. Além de queimar álcool e GNV, ele funciona com a gasolina brasileira (que recebe 24% de álcool anidro) ou com gasolina pura (E0), usada em outros países.

Até agora, só o recém-lançado motor 1.6 16v bicombustível da Renault roda com qualquer tipo de gasolina. Nem por isso a montadora chama o carro de tricombustível. Mas para que fazer um tetracombustível, ou “tri moderno”?

— É um carro que poderá ser exportado, sem modificações, para países onde o uso de gás veicular é forte, como a Argentina. Isso dará escala de produção e, no Brasil, deixará o sistema mais barato que os kits vendidos em lojas independentes — afirma Carlos Damasceno, gerente de pesquisa da Magneti Marelli.

Como não tínhamos gasolina pura para abastecer a Parati Tetrafuel, rodamos com a brasileira e GNV. Mesmo com um motor 1.8 8v (aspirado), a Parati não é esportiva como o Polo turbo.

Mas o carro impressiona por quase não apresentar variação de comportamento funcionando com combustível líquido ou gasoso. Segundo a Magneti Marelli, que tem ainda um Siena 1.3 Tetrafuel, também há pouca alteração quando se roda com gasolina misturada ou pura. A empresa não divulga os dados do motor.

O protótipo testado tinha uma chave seletora para acionar o kit-gás, mas no futuro a Marelli pretende extinguir o seletor. Enquanto tiver gás, o carro funcionará só com GNV. A troca para o combustível líquido se dará automaticamente quando a central eletrônica identificar que o motor precisa de mais força, como em subidas e retomadas, ou quando o gás acabar.