Em um mundo tão dependente do petróleo como fonte energética, o Brasil virou exemplo global com a alternativa do carro bicombustível. O carro flex, como é chamado no país esse tipo de veículo apto a funcionar com gasolina ou álcool ou os dois combustíveis misturados, tem despertado a atenção no mundo inteiro.

Hoje, 1,3 milhão de veículos flex rodam no país. Embora isso represente menos de 7% da frota brasileira, estimada em 20 milhões de automóveis, calcula-se que em cinco anos os carros bicombustível serão mais de cinco milhões. Lançado em março de 2003 pela Volkswagen e visto inicialmente com desconfiança pelo consumidor, traumatizado pelos ineficientes carros movidos a álcool do passado, o modelo flex conquistou um grande público. A produção de automóveis bicombustível superou a dos modelos a gasolina em apenas dois anos. Em dezembro de 2005, nada menos do que 73% dos carros novos já funcionavam tanto a gasolina quanto a álcool. E a previsão para este ano é de 95%. O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Rogelio Golfarb, diz que a tecnologia alavancou as boas vendas de 1,7 milhão de veículos novos em 2005. “O motor flex mudou o mercado automotivo brasileiro, afirma Golfarb. “O Brasil está num estágio que muitos países gostariam de estar.

O motor flex tem um funcionamento simples, permitido por um poderoso software que identifica e quantifica a mistura entre álcool e gasolina no tanque usando informações existentes em todo o sistema de injeção de combustível e regula automaticamente o motor. Mas o segredo do sucesso comercial do carro flex brasileiro não está exatamente no domínio da tecnologia do motor bicombustível, dizem os especialistas. Outros países já têm soluções para motores que funcionam com dois tipos de combustível – a Itália, por exemplo, já faz o motor bicombustível a gasolina e gás. O diferencial brasileiro foi garantir escala e distribuição abundante.

Consumidores e fabricantes que apostaram no motor flex e confiaram na garantia do governo brasileiro quanto ao abastecimento do álcool não têm do que reclamar. “A vantagem do flex é que a gente não fica refém de um tipo de combustível, como acontecia com o carro a álcool, diz o taxista Sérgio Amaral Costa, que há dois anos trocou uma perua Parati (Volks) a gasolina por uma minivan Meriva Flex (General Motors).

Para as montadoras, o resultado tem sido surpreendente. No ano passado, enquanto a Anfavea estimava um crescimento de 5%, as vendas de automóveis avançaram quase 11%, quatro vezes a taxa do PIB. “O flex impulsionou as vendas e pelo menos metade do crescimento do setor pode ser atribuída a ele, observa Sérgio Reze, presidente da Fenabrave, federação que reúne cerca de 5.000 concessionárias de veículos no território brasileiro.

A pioneira Volkswagen, que estreou há menos de três anos o motor flex no seu modelo mais vendido, o Gol, fechou 2005 com 93% da produção de veículos dirigida ao mercado interno – 378.000 unidades, que englobam 10 modelos entre automóveis e comerciais leves – equipados com a tecnologia bicombustível. “No início, continuamos fabricando o mesmo modelo a gasolina, mas, como a demanda foi zero, tiramos de linha, relata a diretora de assuntos corporativos da Volks do Brasil, Júnia Nogueira de Sá.

A Fiat, porém, pretende estragar a festa da Volks. Líder com 25% do mercado – 1,5% a frente da vice-líder – a marca italiana largou atrasada, mas recuperou terreno em 2005, fechando o ano com 95% dos 400.000 veículos vendidos internamente com a tecnologia flex. Em 2004, foi a primeira a lançar uma linha de carros populares com motor 1.0 Flex. “Em 2005, ganhamos a condição de montadora com a maior oferta de modelos bicombustível do mercado brasileiro e consolidamos nossa liderança, comemora Lélio Ramos, diretor comercial da Fiat do Brasil.

Menores. O mercado brasileiro está tão sedento do bicombustível, que até mesmo os fabricantes menores, como as marcas francesas Renault e Peugeot – com participações no mercado de 3,3% e 2,9%, respectivamente – já começaram a adotar a tecnologia, desenvolvida no Brasil principalmente pela Bosch e pela Magneti Marelli. Perder a velocidade nessa corrida pode custar caro, como comprovou a General Motors. A marca perdeu espaço no mercado interno – caiu da liderança para o terceiro lugar – devido ao atraso no lançamento da versão flex do seu carro popular mais vendido no país, o Celta 1.0. Mesmo assim, a GM fechou o ano de 2005 produzindo mais de 70% dos 11 modelos da montadora com motor flex.

A Ford, que completa o conjunto das quatro maiores montadoras brasileiras – juntas, a Fiat, Volks, GM e Ford respondem por 80% da produção local – também largou atrasada. Lançou seu primeiro carro flex em 2004, mas hoje os modelos mais vendidos pela montadora – Eco Sport, Fiesta Sedan e Fiest Hatch – possuem motor bicombustível. A Ford produziu 210.000 veículos no ano passado, metade deles equipada com motor flex. Segundo Jorge Chear Neto, gerente nacional de vendas da Ford do Brasil, a montadora não avançou mais rápido no flex porque vários modelos a gasolina ainda vendem bem. “Mas a tendência do bicombustível é forte e certamente vamos acompanhá-la, afirma o executivo. “Nossa opinião é a de que esse é um caminho sem volta.