O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou Brasília para o encontro do G-8, em São Petersburgo, com dois objetivos bem precisos. O primeiro era definir um maior espaço de responsabilidade para os países ricos em relação ao sucesso ou ao fracasso das novas regras do comércio internacional, a chamada Rodada Doha. O segundo, menos pragmático, consistia na definição de que os termos das concessões para destravar Doha fossem mais políticos do que técnicos.
A diplomacia brasileira alcançou parte considerável de cada um deles. Em especial, o presidente Lula conseguiu delimitar quem exige ou trava o quê nos contenciosos com os países emergentes, revelando bem, por exemplo, qual o papel representado pela França nos limites de negociação da União Européia.
É obrigatório lembrar também que o documento final do encontro não foi favorável ao pleito de colocar o biocombustível brasileiro como matriz energética privilegiada. A tensão política representada pela explosiva agenda estratégica que cerca a questão Oriente Médio, especialmente nestes dias, não permitiu avanços nesta área.
A proposta brasileira de investir na criação de um mercado mundial para o etanol, o biodiesel e o H-bio não foi contemplada no documento assinado pelos líderes reunidos em São Petersburgo. Os países industrializados mantiveram a opção pela energia nuclear como alternativa limpa para enfrentar a deterioração do meio ambiente.
O papel de liderança exercido pelo Brasil entre os emergentes para a liberalização do comércio implicava a intenção de firme cobrança de “decisão política” para os líderes do G-8 em relação à Rodada Doha. As lideranças dos países ricos se anteciparam a essa cobrança e alargaram o prazo da Rodada para mais algumas semanas. Era um recado claro sobre o ponto máximo que estas lideranças estavam dispostas a avançar.
Ao contrário das costumeiras análises pessimistas, o G-8 deixou bem claro que é possível “salvar” Doha. Extensões de prazos em negociações desse porte são compreensíveis. Convém sempre lembrar que os resultados da Rodada Doha são bem mais ambiciosos do que os da Rodada Uruguai e esta levou, até o entendimento final, de 1985 a 1996. Há muitos detalhes até este entendimento, mas o prolongar do prazo é sinal promissor de vontade política para avançar nesta tarefa, apesar dos contenciosos. Exatamente por isso o presidente Lula afirmou que estava pronto a orientar seus negociadores a terem mais flexibilidade nas negociações e insistiu que não “esperava menos” dos demais chefes de Estado.
Este fato já despertou, por outro lado, algumas preocupações em lideranças empresariais brasileiras que detectaram predisposição dos negociadores brasileiros em fazer concessões na área de indústria para liberalizar o comércio global.
O tom do presidente Lula era de alerta para os líderes que dificultavam as negociações. No encontro com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, Lula foi direto: “Continuo otimista que o presidente Chirac vai ceder um pouco”. O presidente francês reagiu à pressão brasileira em tom menos diplomático, nos mesmos termos da reação contra o presidente da Comissão Européia, José Manuel Barroso. Chirac apontou que o líder europeu não teria tanta flexibilidade para fazer ofertas como a UE está anunciando. Porém, cobrado pelo presidente Bush sobre qual era sua margem de negociação, Barroso foi claro na reafirmação de seu poder negociador.
O clima não é de otimismo entre os negociadores, mas é certo que foi retomado o espírito de “explorar o limite negociador de cada país”. O diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, no entanto, fez cobrança específica de responsabilidade política dos países ricos. Reconheceu que o problema de destravar Doha “não é técnico, mas político”. E Lamy foi ainda mais claro ao pedir aos líderes mundiais que dêem a seus ministros mais espaço para negociar porque “prazos são úteis apenas com essa condição”. Era este o recado que Lula pretendia dar em São Petersburgo. E o diretor-geral da OMC, em circunstâncias próprias, o legitimou.
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kicker: Encontro deixou claro que é possível salvar Doha. E Lamy reconheceu que destravar aRodada “não é problema técnico, mas político”