Nenhum investidor estrangeiro estava com o dedo no gatilho, pronto para despejar bilhões de dólares na Bovespa e em investimentos produtivos no Brasil assim que uma agência de avaliação de risco elevasse o país à nota grau de investimento — a que atesta o baixo risco de o país dar um calote em seus credores. A entrada no clube dos países considerados financeiramente sérios, após o anúncio da Standard & Poors no final de abril, é um marco, mas não vai mudar drasticamente a vida dos brasileiros — pelo menos não da noite para o dia. EXAME ouviu 20 dos 65 maiores fundos de pensão do mundo e quatro dos 15 maiores fundos soberanos. Nenhum deles tinha qualquer empecilho para aplicar no Brasil antes da concessão da nota. Apenas um — o fundo soberano Alaska Corporation — disse que pretende aumentar seus investimentos. Todos os demais vão examinar a situação, sem pressa. Ainda que o foguetório pós-elevação contenha uma boa dose de exagero, é certo que algumas transformações devem começar a ser sentidas no dia-a-dia das companhias a partir de agora. A Petrobras, por exemplo, é uma das que poderão ser promovidas em breve. A S&P colocou a estatal em uma espécie de período de observação, e um veredicto é esperado para logo — a companhia, assim como o Brasil, está no mais baixo dos dez níveis do grau de investimento (BBB-). Certamente outras empresas seguirão o mesmo caminho no futuro.
Levando-se em conta o que aconteceu em outros países que foram promovidos, o número de companhias brasileiras que receberão o grau de investimento ou terão suas notas elevadas nos próximos anos crescerá bastante de agora em diante. No México, por exemplo, somente três companhias eram consideradas de baixo risco antes de o país receber o selo, em 2002. Nos últimos seis anos, 25 empresas mexicanas entraram para a primeira divisão, segundo a classificação da agência Fitch Ratings. No ambiente empresarial brasileiro, mais amplo, complexo e avançado, espera-se que o impacto seja em proporções ainda maiores do que o visto no México. As três grandes agências — além da S&P, há a Moodys e a Fitch Ratings — avaliam cerca de 200 companhias brasileiras, das quais 24 têm grau de investimento em moeda estrangeira. No passado, só conseguia o selo de bom pagador quem tinha receitas em dólar, via exportações ou operações no exterior — e, por isso, dependia menos da economia local. Foi o caso de Aracruz, Embraer, Gerdau e Vale. Com o investment grade concedido ao Brasil, as companhias concentradas no mercado doméstico também entram no páreo.
As empresas com mais chance de ser promovidas nos próximos anos são as dos setores de energia, saneamento, construção civil e concessão rodoviária — todos com grandes perspectivas de crescimento. “Esses setores serão os mais beneficiados porque dependem muito de financiamento, que tende a se tornar mais barato e com prazos mais longos”, diz Regina Nunes, presidente da S&P no Brasil. Não está descartada a hipótese de que empresas ainda fora do radar das agências passem a ser analisadas e pulem direto para o grau de investimento. “A estabilidade econômica, agora chancelada por quem avalia risco, reforça o poder de planejamento das empresas, o que aumenta a probabilidade de elas pagarem o que devem”, diz Roberto Setubal, presidente do Itaú. “É por isso que as companhias tendem a ter as notas elevadas depois que o país chega ao nível de baixo risco”, diz Ricardo Carvalho, diretor da Fitch Ratings no Brasil.
Que diferença faz a opinião de uma agência sobre uma empresa? Muita, pelo menos para aquelas que dependem de gran des volumes de capital para operar ou que têm a internacionalização como parte de sua estratégia. No grupo Votorantim, a chancela de grau de investimento é responsável pela economia financeira de 160 milhões de reais por ano. Esse é o valor que o grupo estima que gastaria a mais em juros de sua dívida se não tivesse o selo das agências. No caso da Vale, cuja dívida total é de 19 bilhões de dólares, a economia ultrapassa 500 milhões de dólares ao ano. A decisão da mineradora de conseguir o selo das classificadoras de risco foi tomada em 2000. “O objetivo se tornou uma obsessão, pois seria a única maneira de levarmos a cabo nosso processo de internacionalização”, afirma Roberto Castello Branco, diretor de relações com o investidor da Vale. “Se não fôssemos grau de investimento, não teríamos conseguido comprar a Inco”, diz, referindo-se à aquisição da mineradora canadense, realizada no ano passado, ao custo de 14,5 bilhões de dólares. A Vale recebeu propostas de 37 bancos interessados em financiar o negócio. Ao todo, essas instituições ofereceram mais que o dobro do necessário para a aquisição.
É claro que cifras como essas não fazem parte da realidade da maioria das companhias brasileiras. Ainda assim, as perspectivas a partir do dia 30 de abril também melhoraram para empresas bem menores que as gigantes do país. Em menos de uma semana, representantes de cinco bancos procuraram executivos da Gafisa, incorporadora com sede em São Paulo, que não tem grau de investimento, para convencer seus executivos a fazer uma colocação de dívida no exterior. “Essa era uma porta que estava fechada para nós e que agora estamos considerando”, diz Wilson Amaral, presidente da Gafisa. Na ponta do lápis, vender papéis de dívida lá fora pode ser caro em comparação com as condições do mercado interno, por causa dos impostos e das operações necessárias para se proteger das flutuações do câmbio. O argumento dos bancos em favor da saída externa é a diversificação. “Há muitos investidores estrangeiros querendo comprar dívida de empresas brasileiras e, embora os custos internos e externos muitas vezes se equiparem, há algumas vantagens de captar lá fora”, diz Rodolfo Riechert, chefe do banco de investimento do UBS Pactual no Brasil. “A principal delas é que a companhia mantém sua capacidade de levantar dinheiro no mercado brasileiro.” Na mira dos bancos estão todas as empresas em condições de contrair empréstimos acima de 100 milhões de dólares.
O momento de obtenção do grau de investimento para o Brasil tem duas facetas. A positiva leva em conta uma economia mundial assustada com a recente crise americana e com a inflação crescente. A negativa está ligada às dúvidas em relação ao trabalho desenvolvido pelas agências de classificação. Nenhuma das grandes do setor escapa ao fato de ter dado boas notas a papéis do mercado subprime que em pouco tempo se mostraram menos confiáveis do que um CDB do falido banco Santos. O mercado continua a se balizar pelas notas, em grande medida, porque não há alternativa. Assim, o rating dado ao Brasil não chega a ser sem efeito. O ganho ocorre, principalmente, via redução dos juros — mudança que beneficia do dono da padaria ao controlador da multinacional.
EM PAISES EMERGENTES que receberam grau de investimento, a taxa real de juro caiu, em média, pela metade nos dois anos seguintes. Foi assim na Índia, por exemplo, onde a taxa passou de 3,6% para 1,7% ao ano entre 2004 e 2006 — dando impulso à explosão de consumo que se seguiu. No Brasil, espera-se que a queda seja mais lenta — podendo levar de três a quatro anos. O motivo é circunstancial: o recente aumento da inflação, que já levou o Banco Central a elevar a Selic neste ano, movimento que deve se repetir nos próximos meses. No longo prazo, porém, a tendência é de baixa. “Só a perspectiva de queda já é benéfica para as companhias brasileiras, porque elas podem fazer captações de longo prazo pagando juros menores”, afirma Luciano Araújo, sócio da consultoria Hampton Solfise, especializada em estruturar operações de financiamento para empresas. O câmbio também será afetado. A tendência é que o país enfrente menos oscilações bruscas de sua moeda. “O investidor tem mais garantia de que os recursos externos continuarão entrando, o que evita corridas por compra de dólares em situações adversas”, afirma Octávio de Barros, diretor do departamento de pesquisas econômicas do Bradesco. Para o governo, a classificação de baixo risco permite atrair investidores dispostos a receber menos juros, reduzindo o custo de captação do país.
As perspectivas, em geral, são promissoras. Mesmo que os fundos de pensão digam que vão analisar a situação com calma, é provável que aumentem seus investimentos no país paulatinamente nos próximos anos. Pelo menos foi esse o padrão dos fundos em outros países. “Estamos falando de investidores criteriosos, mas que, quando se sentem seguros, investem grandes quantias e por um longo prazo”, diz Álvaro Gonçalves, sócio da Stratus, gestora de private equity. Se a previsão se materializar, esse dinheiro mais nobre não irá para qualquer caixa. Só vão conseguir aproveitar o manancial de recursos as empresas que fizeram ou que estejam dispostas a fazer seu dever de casa, ou seja, que trabalharem com altos níveis de transparência, de gestão, de responsabilidade socioambiental — enfim, as que optarem pelas melhores práticas de governança. Essas restrições, aliás, não deixam de ser positivas.