Mercado

Crise detona queda das cotações e o aumento do protecionismo

O declínio nas cotações das commodities agrícolas, causado pela crise econômica global, tem levado a um aumento de subsídios relacionados a preços. Nesse caso, se os preços internos caem abaixo de um certo nível, alguns governos automaticamente elevam os subsídios. Estes protegem os produtores domésticos e os colocam em situação mais confortável no mercado internacional do que seus concorrentes.

União Europeia, EUA, Japão e Coreia do Sul são alguns dos países que adotam esses programas que ajudam os seus produtores com pagamentos diretos todas as vezes que caem os preços das commodities.

Por causa da crise, os subsídios totais agrícolas americanos, que distorcem o comércio mundial, deverão subir de US$ 8,1 bilhões em 2008 para US$ 9,9 bilhões neste ano, se as atuais projeções de preço se materializarem. Essa previsão consta do estudo “Trade Protection: incipient but worrisome t! rends”, divulgado em 4 de março e escrito pelos especialistas do Banco Mundial, Elisa Gamberoni e Richard Newfarmer (o estudo pode ser obtido em http://www.voxeu.org/index.php?q=node/3183 ).

Em entrevista ao Valor, Newfarmer disse que naqueles quatro países, os subsídios já aumentaram em relação ao ano passado. Os subsídios à exportação constituem outra forma de proteção, como os que a União Europeia recentemente voltou a praticar no setor de laticínio. “Também temos visto algum aumento em impostos de exportação e proibições, embora estes tenham sido mais comuns durante a alta dos alimentos no primeiro semestre de 2008”, comenta Newfarmer, que é representante especial do Banco Mundial junto às Nações Unidas e à Organização Mundial do Comércio (OMC).

Na avaliação do professor Geraldo Sant´ana de Camargo Barros, coordenador científico do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) e professor titular do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da Esalq-USP, “os países desenvolvidos seguem na estratégia de proteger a produção doméstica para resguardar a renda e o emprego nacionais”.

A crise reforça a tendência de busca de autossuficiência. “O presidente Barack Obama, apesar de favorecer a energia limpa e o biocombustível, pelo menos enquanto a crise não passar, vai continuar com o mesmo nível de ajuda aos produtores americanos (apesar da proposta de corte para a pequena minoria de grandes produtores), a quem está ligado por origem e politicamente. Da mesma maneira, vai manter a tarifa sobre o etanol para não prejudicar o setor nos Estados Unidos e para atuar no sentido de menor dependência energética”, comenta o professor da Esalq.

A crise econômica, que derrubou os preços das commodities drasticamente por causa da falta de financiamento, tende a manter os mercados em baixa em função do menor crescimento econômico. “Muitos países consumidores não só reduziram suas compras como baixaram o padrão de qualid! ade, preferindo produtos de mais baixa classificação e menores preços. As receitas de exportação caíram e deverão permanecer baixas pelo menos em 2009. Isso pode ser bastante danoso para países que dependem dessas receitas para financiar o setor público”, afirma Camargo Barros.

Além de registrar menores níveis de comércio e preços mais baixos, o Brasil também está sendo prejudicado pela crise porque seu agronegócio tende a se atrofiar relativamente, diz. “Há relatos de medidas protecionistas novas na União Europeia em laticínios, na Rússia em carnes e, na Índia, em soja. “No caso de soja, o Brasil pode ser bastante prejudicado”, avalia o especialista.

Pior do que o Brasil, porém, estão outros países latino-americanos, os africanos e asiáticos, cujos governos não têm recursos para enfrentar, com subsídios, o poder de proteção dos países ricos, afirma Richard Newfarmer.

A pergunta insistente é qual teria sido o efeito de uma conclusão bem-sucedida da Rodada Doh! a para o comércio agrícola nestes tempos de crise. Para Newfarmer, “Doha iria beneficiar a grande maioria dos países. O Brasil ganharia muito por causa da sua agricultura eficiente. Neste setor tradicionalmente superprotegido, a rodada teria contribuído para reduzir barreiras”.

De acordo com o especialista do Banco Mundial, “dito isso, um punhado de países poderá sair perdendo no curto prazo. Entretanto, mesmo nesses países, perdas estáticas podem ser compensadas pelo crescimento econômico a médio prazo. Muito da magnitude de ganhos eventuais depende de políticas que os governos adotam complementarmente à Rodada Doha. Por exemplo, facilitar o comércio mediante redução de atraso nos portos e alfândegas, e gerenciamento de logística. Tudo isso pode estimular o crescimento do comércio, e essas medidas têm tanto ou mais potencial econômico do que a Rodada Doha. Por isso, o Banco Mundial lançará em abril uma Nova Facilitação de Comércio, que fornecerá recursos aos governos para mel! horar a sua competitividade”, informa Newfarmer.

Para o professor Geraldo de Camargo Barros, a conclusão da Rodada Doha não teria feito muita diferença para beneficiar o livre comércio nesta crise. Isso porque “vivemos tempos excepcionais”. (M.H.T.)