O repique de preços de commodities no ano passado, quase provocou o colapso no abastecimento de combustível: no início do ano, a equipe econômica constatou, com alarme, que a dança das curvas de demanda e oferta de etanol no país terminariam em desastre: faltaria etanol no país em abril. Em segredo, o governo traçou uma operação de guerra, que envolveu a Petrobras e incluiu desde a autorização de adição de água no álcool anidro misturado à gasolina até a importação de 150 milhões de litros de combustível. Nos próximos dias, deve se anunciar a estratégia para evitar a repetição do drama. Ela poderá incluir barreiras à exportação de açúcar em caso de crise.
Uma peça fundamental na estratégia do governo foi a transformação da Agência Nacional de Petróleo (ANP) em agência reguladora para o etanol. Sem alarde, a ANP ganhou poder para interferir na política de exportação do setor sucroalcooleiro, com a medida provisória 532, já em seus primeiros dois itens. Etanol terá tratamento de combustível estratégico, e, com base nisso, o governo crê ser possível intervir no mercado e no próprio mix das usinas, para evitar a carência de abastecimento, tarefa concedida pela Medida Provisória à ANP.
Em seu primeiro item, a MP confere à ANP a missão de “garantir o fornecimento de biocombustíveis em todo o território nacional”. No segundo, dá à agência poder de “estabelecer diretrizes para importação e exportação, de maneira a atender às necessidade de consumo interno de petróleo e seus derivados, biocombustíveis”. A ANP terá até seis meses para se adaptar às novas tarefas, e a regulamentação da MP, com os detalhes necessários a essa adaptação deve ser concluída nos próximos dias.
ANP ganhou poder sobre venda externa de açúcar
É um projeto de médio e longo prazo, mas o governo quer agir a tempo d e evitar uma possível repetição do desabastecimento de etanol em 2012, como preveem alguns analistas. O ano que vem é o momento mais delicado no abastecimento, já que o governo prevê um aumento sensível na produção de álcool combustível em médio prazo, com a maturação dos investimentos feitos no setor, nos últimos anos.
A atratividade dos preços de açúcar no mercado internacional foi um dos motivos para a carência de etanol, já que o produtor opta por um dos dois derivados da cana de açúcar conforme as condições de mercado. Mas isso não explica tudo: foi forte também a influência da crise financeira internacional, que paralisou investimentos em curso, de ampliação na capacidade de produção nacional.
A coincidência entre a súbita alta de preços internacionais e a incerteza que paralisou investimentos é vista pela equipe econômica como uma situação excepcional, perturbadora dos mecanismos de mercado. Por isso, a necessidade de intervenção sobre exportações é também considerada uma alternativa de último caso, com poucas chances de se tornar necessária. Mas é arma de grosso calibre, que fará parte do arsenal governamental.
Além do poder regulatório da ANP, o governo conta com a futura existência de estoques reguladores, e com a ação da Petrobras, que vem ampliando seu peso no setor, para pavor dos que temem o uso da estatal como instrumento de políticas de governo. O argumento dos formuladores da nova política é o de que, ao contrário do que pensam os mais liberais, a garantia de preços estáveis para o etanol facilitará sua transformação em commodity e estimulará investimentos novos na produção.
Só com a divulgação do novo plano de negócios 2011-2015 da Petrobras, em breve, ficará claro o papel da estatal, cuja direção garante não ter planos de ser agente do governo e sim ator em um mercado crescente, como os concorrentes privados. O plano, que seria divulgado em maio, foi devolvido pelo Conselho de Administração para mais e studos, porque seu maior acionista, o governo, quis redução nos projetos de investimento.
No plano em vigor, está previsto investimento de US$ 3,5 bilhões da Petrobras Biocombustível até 2014, US$ 2,5 bilhões dos quais na produção, e US$ 400 milhões em pesquisa e desenvolvimento, além da construção da rede de dutos para transporte de álcool no país. Como estatal ou agente de mercado, a Petrobras terá um papel importante na nova estratégia de estabilização de preços e abastecimento de etanol.
Os sorrisos entre o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, e a ministra da Indústria argentina, Débora Giorgi, não afastaram a ameaça de atritos no futuro próximo, na atormentada relação comercial entre os dois maiores sócios do Mercosul. Pimentel já começava a admitir “acordos voluntários” de restrição de exportações ao mercado argentino com os produtores brasileiros. Mas boa parte do setor privado brasileiro não vê mais sentido nesse tipo de acordo, usado há oito anos sob pretexto de dar competitividade aos produtores argentinos.
A própria Giorgi, ao citar os setores em que gostaria de ver cotas informais de exportação do Brasil à Argentina, gracejou, dizendo que já eram conhecidos: calçados, eletrodomésticos, têxteis de cama, mesa e banho, entre outros. No passado, o Itamaraty e o Ministério do Desenvolvimento faziam pressão para que as companhias brasileiras aceitassem esses acordos. O ministro deixou claro a Giorgi que isso não acontecerá mais; no máximo, o governo está consultando as empresas e conferindo quais estão dispostas a esse tipo de acerto.
O problema é que os maiores entraves à entrada de mercadorias brasileiras não estão nas mãos de Giorgi, mas do secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, político truculento dedicado integralmente à campanha eleitoral argentina. Acordo efetivo, só com a chancela dele.