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Crise alimentar não tem vilões nem mocinhos, dizem especialistas

A produção dos biocombustíveis não pode ser apontada como o “vilão” da alta mundial nos preços dos alimentos, já que a crise é uma combinação de vários fatores, afirmam especialistas da FAO, agência da ONU para agricultura e alimentação, ouvidos pela BBC Brasil.

“A alta dos preços é conseqüência da combinação de diversos fatores. A FAO pensa que os biocombustiveis contribuem, mas não são a causa principal. Ninguém tem a estimativa certa de quanto incidem sobre os preços, nem mesmo o Banco Mundial”, disse à BBC Brasil Jeff Tschirley, responsável pelo grupo de trabalho sobre bioenergia da agência.

A FAO já havia publicado alguns estudos que indicavam alguns dos fatores que desencadearam a crise, sem apontar um responsável principal.

Em um relatório, o Banco Mundial indica que os biocombustiveis teriam 65% de responsabilidade na atual crise alimentar. De acordo com Olivier Dubois, do grupo de estudos de bioenergia e mudança climática da FAO, os números variam muito. Segundo ele, há estudos que indicam que o grau de responsabilidade seria de 5%, enquanto outros apontam 30%.

“A questão ainda precisa ser estudada melhor. A FAO não tem dados médios sobre isso”, disse Dubois em entrevista à BBC Brasil.

Na opinião dele, o mundo está enfrentando a maior demanda por produtos agrícolas observada em sete anos (entre 2000 e 2007).

“A demanda por bioetanol triplicou, enquanto a de biodisel aumentou em 11 vezes durante esse período. É claro que isso tem incidência muito grande no aumento da demanda geral, mas não há um vilão ou um bonzão”, disse.

Fatores

Entre os fatores que provocaram a crise atual dos alimentos, a FAO aponta a nova demanda por produtos agrícolas como açúcar, milho, sementes oleosas e azeite de dendê, por conta do mercado emergente de biocombustíveis.

Antes usados apenas como alimento ou ração, esses produtos tornaram-se um dos principais motivos do aumento dos preços nos mercados mundiais. Nos Estados Unidos, por exemplo, o alto preço do milho em 2006 levou os agricultores a aumentarem a produção do grão em 2007, plantando menos trigo e soja – razão pelo aumento do preço desses cereais.

Os especialistas da organização destacam ainda outros fatores para o desencadeamento da crise. Entre eles, a agência ressalta o preço do petróleo, que encareceu fertilizantes e transportes; as mudanças climáticas, pois influenciaram produções agrícolas em países atingidos por secas ou inundações e o baixo nível de estoques, que contribuiu para o aumento nos preços no risco de especulações.

“As expectativas têm uma influência grande nos preços do mercado. As poucas reservas estimulam a especulação. E muitos produtores estocam produtos à espera do aumento de preços. Além disso, os grandes investidores apostam em commodities na falta de produtos mais rentáveis, influenciando os preços”, disse à BBC Brasil Kostas Stamoulis, especialista em desenvolvimento econômico da FAO.

Na avaliação do economista, uma das características da crise atual é o “nervosismo extremo do mercado”, provocado pelas baixas reservas de alimentos.

“Anúncios de bloqueios na exportação de alguns cereais podem interferir drasticamente nos preços de mercado. Por exemplo, quando o Cazaquistão bloqueou a exportaçao de trigo para garantir os estoques internos, o preço do cereal subiu 40% em apenas uma noite”, disse Kostas.

Consumo

Outro fator que contribuiu para o aumento dos preços, segundo a FAO, é a mudança estrutural da demanda por alimentos.

“O aumento do consumo é uma mudança de longa duração, que acompanha o desenvolvimento econômico dos países e as transformações das dietas. Já a influência do preço do petróleo e da diminuição das reservas alimentares, acontece em tempos diferentes”, afirmou Stamoulis.

Segundo os analistas, a relação entre esses diversos fatores determinou a crise alimentar atual.

Na avaliação de Cristina Amaral, coordenadora do programa de emergência alimentar da FAO, não há estudos científicos que expliquem de maneira certa o impacto de cada fator no preço dos produtos alimentares.

“A contribuição de cada uma das causas varia entre 2% até 40%, dependendo da estimativa”, afirmou Amaral.

“O simples fato de existirem opiniões tão diferentes demonstra a dificuldade da situação. O mercado é extremamente complexo e não permite identificar claramente o peso de cada fator”, disse a especialista à BBC Brasil.