
As usinas termoelétricas dobraram a participação na matriz elétrica brasileira desde o racionamento em 2001. Mas, na prática, quem continuou bancando o consumo de energia foram as hidrelétricas, já que o modelo adotado pelo governo previa o uso de térmicas apenas em situação de emergência. A crise atual, no entanto, tem mostrado que essa fórmula se esgotou. Com a situação climática cada vez mais incerta, o País terá de optar pelo uso ininterrupto das termoelétricas, como ocorre no resto do mundo, afirmam especialistas.
Em 13 anos, as térmicas ampliaram sua fatia na matriz brasileira de 14% para 30% – conforme o último Boletim Mensal de Monitoramento do Setor Elétrico, do Ministério de Minas e Energia. Enquanto isso, a participação das hidrelétricas caiu de 85% para 66%. Mas até meados de 2012, as hidrelétricas produziam mais de 90% da energia que abastecia o Brasil e as térmicas, apenas 4,51%.
Naquele ano, as represas começaram o período seco com 76,09% de armazenamento, mas o nível caiu rapidamente para 31,91% em novembro – suscitando uma série de questionamentos sobre o que estava ocorrendo com o sistema. Cogitou-se assoreamento nas represas e uso indiscriminado da água para irrigação. Mas um fato era real. Os reservatórios estavam perdendo o poder de armazenamento. Com as usinas a fio d´Água (sem reservatórios), a capacidade, que já chegou a mais de um ano, está em 5,4 meses (2013) e deve cair para 3,4 meses em 2021.
Preocupado com a rápida queda do volume de água nos reservatórios em 2012, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) decidiu no fim do ano por todas as térmicas para operar – mas, na opinião de especialistas, já era tarde demais. Essas térmicas, movidas a óleo combustível, diesel e carvão, são contratadas para ficar em stand by para qualquer emergência no sistema elétrico.
Para ficarem paradas à espera de um chamado do ONS, elas ganham uma receita fixa mensal. Quando são acionadas, além da renda mensal, recebem também pelo custo do combustível, que é extremamente elevado – acima de R$ 500 o MW hora. “Num primeiro momento, apostou-se em hídricas para ampliar o sistema elétrico. E, num segundo momento, também porque contrataram térmica pensando em não usá-la por causa do custo alto”, afirma a presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Elbia Melo.

Esse modelo, porém, precisa ser aperfeiçoado, alertam especialistas. “As condições mudaram. Atualmente a grande participação das hidrelétricas na matriz é um elemento de grande preocupação”, afirma a economista Joísa Dutra, coordenadora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da FGV e ex-diretora da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Na avaliação dela, com as usinas a fio d´água, o Brasil precisa alterar o modelo de contratação das térmicas, pondo mais usinas que podem funcionar sem parar.
Mais que isso: terá de ampliar a produção de energia com gás. Hoje, porém, essa medida esbarraria na falta de combustível – fator que inibiu a expansão da térmica a gás no sistema. De 2009 pra cá, período com maior entrada de termoelétrica na matriz, essa fonte cresceu apenas 4,44% enquanto as usinas movidas a óleo combustível e diesel avançaram 61%.
Parte das usinas movidas a gás que estão gerando energia usam GNL (gás natural liquefeito) importado, o que exige uma estrutura para desembarcar o produto no País, e encarece o combustível. De qualquer forma, diz Joísa, essa poderia ser uma alternativa de transição enquanto o gás do pré-sal ou demais projetos não são concluídos. “Transformações estruturais levam tempo. Precisam ser tomadas hoje para lá na frente dar resultados.”
O professor da Universidade Federal de Itajubá, Afonso Henriques, ex-secretário de Minas e Energia do governo FHC, destaca que a discussão em torno das térmicas vem de longa data. Antes do racionamento de 2001, o governo criou um amplo programa para construir mais de 50 termoelétricas a gás – o chamado Programa Prioritário de Termoeletricidade (PPT). “Mas o câmbio estourou e o preço do combustível (importado da Bolívia) subiu demais, atrapalhando os investimentos.”
Parte das usinas a gás que estão em operação no País era do PPT, como Nortefluminense, Mario Lago, Araucária e Termopernambuco. Para Henriques, o País tem de insistir na expansão das térmicas “boas” a gás já que as condições climáticas devem comprometer cada vez mais o nível dos reservatórios. “Hidrelétrica é uma opção, mas tudo que é grande é um caos, gera atrasos e complicações.”
(Fonte: O Estado de São Paulo)
