O Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica – Proinfa foi instituído com a finalidade de aumentar a participação da energia elétrica produzida por empreendimentos concebidos com base em fontes eólicas, pequenas centrais hidrelétricas e biomassa no Sistema Interligado Nacional.
O programa foi criado pelo art. 3°, da Lei n° 10.438, de 26/4/2002, e consistiu na aquisição pela Eletrobrás de energia produzida a partir das fontes alternativas de geração, tais como eólica, pequenas centrais hidrelétricas e biomassa, a ser feita em duas etapas. A primeira visou à implantação de 3.300 MW de capacidade, para início de funcionamento até 30/12/2008, com garantia de compra da energia produzida pelo prazo de 20 anos, a ser distribuída igualmente por cada fonte participante. A segunda etapa previu o aumento da energia produzida a partir das mesmas fontes até atingir 10% do consumo anual de energia no país, a ser alcançado em até 20 anos.
A lei instituidora do Proinfa não estabeleceu como condição de adesão ao programa a obrigação dos produtores transferirem à Eletrobrás o proveito econômico resultante do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), vale dizer, os créditos de carbono provindos de seus empreendimentos. Pelo contrário, além de ter silenciado em relação às aquisições de energia feitas na primeira etapa, com respeito à segunda etapa do programa, ainda não implementada, limitou-se o art. 4°, II, alínea “e” da Lei 10.438/02 a mencionar que os produtores iriam apresentar à Aneel um Certificado de Energia Renovável (CER) “para fiscalização e controle das metas anuais”. Isso quer dizer que o legislador, quando da edição da lei, estava atento à existência do direito originado na geração de energia limpa pelos empreendimentos alternativos e, ainda assim, não estabeleceu, como condição de adesão ao programa, a sua transferência em favor da Eletrobrás.
Não obstante, em 30/3/2004 veio a ser editado o Decreto n° 5.025, que, a pretexto de regulamentar a primeira etapa do Proinfa, dispôs, em seu art. 11, inciso V, que os contratos de compra de energia a serem firmados com a Eletrobrás deveriam conter “cláusula de redução do preço contratado na hipótese de o produtor vir a ser beneficiado com novos incentivos às tecnologias consideradas no Proinfa”. Na mesma linha, o art. 16° do mesmo decreto incluiu entre as receitas da “Conta Proinfa”, a ser administrada pela Eletrobrás, “eventuais benefícios financeiros provenientes do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL)”.
Depois, em 31/8/2006, foi editado o Decreto nº 5.882, que pretendeu ratificar a apropriação pela Eletrobrás dos créditos de carbono de titularidade dos empreendimentos geradores de energia limpa no âmbito do Proinfa, antes feita pelo Decreto nº 5.025/04, adicionando que cumpriria à Eletrobrás “desenvolver, direta ou indiretamente, os processos de preparação e validação dos Documentos de Concepção de Projeto (DCP), registro, monitoramento e certificação das reduções de emissões, além da comercialização dos créditos de carbono obtidos no Proinfa”
No entanto, é evidente que as mencionadas previsões regulamentares carecem de legitimidade, pois somente lei em sentido formal, assim entendida aquela emanada do Poder Legislativo, poderia impor aos empreendimentos geradores de energia limpa a obrigação de transferir à Eletrobrás o direito de propriedade sobre os benefícios do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) ou créditos de carbono à luz do princípio da legalidade inscrito no art. 5°, inciso II, da Constituição Federal. Não poderiam fazê-lo, a toda evidência, os decretos 5.025/04 e 5.886/06, sob pretexto de regulamentar a lei, uma vez que estariam invadindo a competência legislativa conferida pelo art. 2, II, da Constituição Federal, incorrendo assim no campo da ilegalidade.
É pacífico que o art. 84, inciso IV, da Constituição Federal, conferiu ao presidente da República competência para expedir decretos e regulamentos apenas e somente para fiel execução das leis. Sendo assim, em nosso sistema legal é vedado ao chefe do Poder Executivo, por meio do regulamento, estabelecer, alterar ou extinguir direitos. Nesse sentido ensina Celso Antônio Bandeira de Mello que “onde se estabelecem, alteram ou extinguem direitos, não há regulamentos — há abuso do poder regulamentar, invasão da competência legislativa”.
Diante disso, carece de suporte legal a pretensão inserida nos referidos decretos 5.025/04 e 5.882/06 de transferir a titularidade dos benefícios oriundos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) ou créditos de carbono dos empreendimentos produtores à Eletrobrás no âmbito do Programa Proinfa.