Usineiros duvidam de dado da Unica. Para eles, número é sob medida para acalmar o governo. A demanda por álcool no mercado interno cai rapidamente. Cálculo da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica) indica que o consumo de álcool deve cair 20,8% em março, em relação à média mensal. Deixarão de ser consumidos 250 milhões de litros do combustível.
A redução deve-se ao corte em cinco pontos percentuais na adição de álcool anidro à gasolina e à redução do consumo direto de álcool hidratado como resultado da alta dos preços. Para o presidente da Unica, Eduardo de Carvalho, a retração do consumo é uma indicação de que o mercado neste início de safra será mais ameno.
O cálculo divulgado ontem pode ter conotação mais política do que técnica, segundo a avaliação de alguns produtores de açúcar e de álcool que não vêem meios de avaliar a evolução do mercado. Esses usineiros participaram ontem da sessão de abertura da Feira de Negócio do Setor de Energia – Feicana/Feibio 2006, em Araçatuba (SP). Para eles, o anúncio é uma tentativa da Unica de amenizar o clima tenso criado entre os empresários e o governo. Eles não escondem a preocupação diante do que acreditam ser o processo de deterioração das relações entre os setores público e privado.
As relações com Brasília estão estremecidas desde que algumas grandes usinas não resistiram às ofertas de compra de etanol feitas por algumas tradings para honrar contratos de exportação, deixando assim de cumprir o acordo firmado com o governo de não elevar seus preços acima de R$ 1,05 o litro.
A suspeita aumenta agora quando algumas usinas tentam registrar seus embarques de álcool e de açúcar no Siscomex e não obtêm a confirmação. A dificuldade existe até mesmo para contratos a serem cumpridos a partir de maio, afirmou o diretor da União das estilarias do Oeste Paulista (Udop) e do Grupo J. Pessoa, Fernando Perri.
“As negociações com o governo estão travadas porque falta liderança no setor”, acredita Perri. São mais de 350 usinas e não há consenso nos propósitos. As dificuldades enfrentadas pelo setor sucroalcooleiro são comparáveis às dores do crescimento, segundo analogia feita pelo presidente da Unica, para quem os problemas são momentâneos e deverão ser superados em pouco mais de duas semanas, quando 100% das usinas da região Centro-Sul começam a moer a safra de cana. A perspectiva é de uma oferta pelo menos 8% maior, se considerada a expansão da área.
Mas apesar das excelentes condições de mercado, não existe até o momento a certeza de que a partir de dezembro o setor não enfrentará os mesmos transtornos ocorridos no período de entressafra da cana, que se encerra agora, afirma o presidente da Udop, Luiz Guilherme Zancaner. “A percepção de que o setor obteve lucros elevados nos últimos meses é equivocada”. Zancaner afirma que uma pequena parcela de usinas faturou entre 15% e 20% mais. Isso ocorre porque uma parcela significativa das vendas de álcool se dá pelo mercado “spot”. Não há quase contratos de longo prazo, o que torna as operações vulneráveis às oscilações de preços.
O compromisso de compra no médio e longo prazo é atualmente a principal reivindicação dos usineiros por parte da Petrobras. Eles acham que essa é a melhor forma de se criar instrumentos para a formação de estoques e garantir a oferta do combustível no período de entressafra. “Bastaria um sinal de Brasília e a Petrobras passaria a formar um sistema de parceria com os usinas, garantindo assim a oferta do produto, quando a produção cai”, disse o presidente da Unica, para quem falta vontade política de solucionar o problema.
A sugestão de Carvalho poderia mesmo se concretizar, acredita o diretor da Transpetro (subsidiária da Petrobras), Marcelino Guedes, que também participou da solenidade de abertura da Feicana. Ele concorda: “Bastaria um telefonema de Brasília”, declarou. Segundo afirmou, a Petrobras tem interesse em firmar parcerias com os setor sucroalcooleiro, uma vez que seu interesse está voltado para energia e a estatal dispõe de infra-estrutura de tanques com capacidade para a formação de estoques suficientes para atender ao mercado. Guedes informou que a Transpetro está investindo US$ 600 milhões para a instalação de dutos para escoar a produção de álcool entre Paulínia (SP) e o Rio de Janeiro e também para o transporte do combustível pela Hidrovia Paraná-Tietê. A meta é criar meios para a exportação de até 3 bilhões de litros por ano. “Os investimentos estão sendo feitos para que o Brasil não perca essa grande oportunidade de atender à demanda internacional de álcool”, afirmou Marcelino.