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Confirmado. Vinho europeu já é álcool

Não há mais dúvida, a União Européia (UE) não só tomou a decisão, mas já está transformando, desde o ano passado, vinho em álcool combustível. Por enquanto, o vinho vem sendo utilizado em máquinas industriais para em seguida ser adotado em veículos.

Os lagos de vinho que inundam a Europa crescem a cada ano, a comunidade não sabe o que fazer, tenta evitar que os preços internos caiam ainda mais. Mas, ao mesmo tempo, continua subsidiando um setor que tem a marca registrada de países como a França.

Quem poderia acreditar que, logo mais, um vinho francês fosse saboreado pelo motor de uma carro da montadora Renault? Em coluna publicada no dia 6 deste mês, nossas informações eram de que eles poderiam chegar a esse recurso extremo, que ainda estavam estudando.

Foram tantos os e-mails que recebi. Alguns estranhando, outros ironizando, descrendo e a maioria pedindo mais informações.

Isso beirava o absurdo, diziam. Confirme! Atendemos o leitor e voltamos ao assunto, mesmo porque o subsídio ao setor vinícola consta das negociações comerciais até agora fracassadas no contexto da Organização Mundial do Comércio, as Dohas da vida.

Aqui, eles fazem algumas tímidas concessões que nem foram levadas a sério pelos outros negociadores.

O correspondente do Estado em Genebra, Jamil Chade, e este colunista saíram a campo e confirmaram que, desde o ano passado, os europeus vêm extraindo álcool do seu precioso vinho.

Por enquanto é pouco, 3,3 bilhões de litros que viraram combustível em 2005, mas o processo tende a intensificarse simplesmente porque os lagos de vinho continuam inundando o continente.

Alargaram-se ainda mais depois que Espanha e Portugal passaram a integrar a comunidade e passaram a beneficiar-se dos subsídios para produzir mais.

CUSTA CARO, MAS NÃO PÁRA

Mas será preciso mesmo continuar nesse desvario econômico? Sim, dizem os defensores da cultura agrícola, expressão deliciosa inventada por um ministro francês.

Mas é uma loucura! Sim, e sabem por quê? Vamos aos números que Jamil Chade obteve oficialmente em Genebra: 1 – A produção de uvas para vinho ocupa apenas 2% das terras aráveis da Europa. 2 – O vinho representava não mais do que 5,4% das exportações européias, em 2004.

Para a França, a Itália e Portugal, as vendas representavam 10% de sua produção agrícola.

MAS QUAL É O PROBLEMA?

A resposta é simples e chocante: o consumo mundial do famoso vinho europeu, principalmente o tradicionalíssimo francês, está caindo, sim, e não desaba só porque é sustentado por subsídios e benefícios de toda ordem.

A Europa não só está exportando menos, mas importando mais vinho estrangeiro, num crescimento médio preocupante de 10% por ano, vindos, como informamos na coluna do dia 6, do Chile, da Califórnia, da Austrália e da África do Sul.

São de boa qualidade e mais baratos.

Os franceses estão fazendo o que podem, mas sem muito êxito, para impedirem a queda dos preços internos.

Um Beaujolais Villages, dos mais populares, está custando aí entre 5e 6 enquanto uma garrafa da famosa água Perrier, 2. Se pegarmos um vinho médio, o Morgon, o custo está entre 20 e 25.

Para os franceses, a única forma de competir com a agressividade dos produtores estrangeiros, mais baratos, é continuar subsidiando os vinicultores.

Afinal, o que está em jogo é a honra nacional… Já imaginou você entrando num restaurante e pedindo um vinho da África do Sul ou, quem sabe, no futuro (ah! o futuro que nunca chega…) um vinho gaúcho?

DESTILAÇÃO, O PROBLEMA

O volume de vinho está crescendo de tal forma a cada ano – principalmente na Espanha e na Itália – que há hoje o que já se chama na comunidade de uma crise de destilaria para aumentar a redução a álcool. É um problema novo e grave, pois, se a produção se mantiver no ritmo atual e a importação continuar crescendo mesmo com sobretaxas e o consumo estagnando, dentro de quatro anos o lago de vinho crescerá em 15%! São estimativas não da coluna, mas da Comissão Européia! Por enquanto, os governos preferem utilizar o álcool para substituir outros combustíveis apenas em máquinas, nas

No ano passado, 3,3 bilhões de litros de vinho francês viraram combustível indústrias, mas são cada vez mais intensos os estudos de mistura de álcool à gasolina, um processo que já se universaliza com a explosão dos preços do petróleo.

As primeiras iniciativas são da Suécia, mas a comissária (ministra) de Agricultura da comunidade européia, Mariann Fisher Boel, já está incentivando os produtores não só de uva destinada à produção de vinho, mas em geral, a voltarem-se para a produção de grãos possíveis de serem transformados em etanol ou biodiesel. Quem fizer isso terá todo o apoio da Comissão Européia. Com os preços do petróleo firmando-se acima de US$ 70 o barril, o Oriente Médio em ebulição que dificilmente não se transformará numa guerra de gerações, e a dependência crescente de uma Rússia cada vez menos confiável no fornecimento de petróleo, a Europa das velhas minas de carvão se assusta.

Sente que a Rússia está lhe voltando as costas e olhando mais para os Estados Unidos, a China, o Japão e os demais países do Pacífico. E por que não? Afinal, suas maiores reservas de petróleo e gás estão nas áreas da Sibéria e do extremo leste, à beira do oceano, próximas do Alasca americano logo ali do outro lado, e seus mais ávidos clientes são a China e o Japão, com os quais terão oleodutos e gasodutos, por que não deixar a Europa num segundo plano no que diz respeito ao petróleo e o gás? Daí o alerta da comissária européia Mariann Fisher Boel que, no entanto, aqui mais uma vez o orgulho de um passado já enterrado, não dá sinais de desestimular os produtores de vinho oriundos de eras passadas…

Mas essa crença no biocombustível levará tempo para entrar na cabeça dos europeus e os lagos de vinho continuarão a aumentar, até que a pressão dos custos leve a adotar a modernidade que nasceu quando o petróleo passou de US$ 70.

Sabem, acho que vamos ter sem tardar muito Beaujolais Villages queimando em motores Renault e Volkswagen…

Enquanto isso, racional ou irracional, a União Européia vai continuar subsidiando os seus vinicultores e incentivando a produzir mais vinho onde bilhões de euros nadam tranqüilos…

E A EUROPA ACORDOU

Não há mais dúvida, a União Européia está praticamente saindo da estagnação.

Cresceu 0,9% no segundo trimestre e as previsões dos principais bancos, entre os quais o Dresdner, é que o Produto Interno Bruto (PIB) da zona do euro deverá fechar o ano com um crescimento de 2,5%.

A economia européia vem sendo puxada pela Alemanha, com os melhores resultados dos últimos cinco anos. Mas os analistas continuam preocupados com a pressão do preço do petróleo sobre a inflação de 2,5%, o que já levou o Banco Central Europeu (BCE) a aumentar mais uma vez os juros, de 3% para 3,5%.

E é significativo que nenhum dos institutos de pesquisa prevê um cenário melhor para 2007.