Quase 1 milhão de trabalhadores de canaviais e usinas de álcool estão em condições precárias no Brasil, denunciou hoje uma fundação do Ministério do Trabalho, enquanto em Lisboa a União Européia e o Governo brasileiro promovem as virtudes dos biocombustíveis.
“Esse setor apresenta uma das piores condições de trabalho que se têm no Brasil”, afirmou o presidente da Fundação de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), Remigio Todeschini, em entrevista à Efe.
O Ministério aumenta a fiscalização das plantações de cana e as fábricas de etanol e açúcar para procurar melhores condições para estas pessoas, explicou.
Esta semana, mil trabalhadores “escravos” foram libertados de uma fazenda de cana-de-açúcar durante uma operação da Polícia Federal e fiscais do Trabalho.
Mas não é preciso ser escravo moderno no Brasil para ser explorado na cana-de-açúcar – um negócio que atrai centenas de milhões de dólares enquanto o etanol é promovido como um combustível limpo, amigo do meio ambiente e “politicamente correto”.
Tanto o Governo quanto alguns empresários já admitem que é necessário melhorar o quadro para evitar que a má imagem prejudique as exportações.
“Na Fundacentro fazemos o alerta. Os investimentos estrangeiros são bem-vindos e apoiamos a bioenergia, mas o setor deve crescer com segurança no trabalho”, disse Todeschini.
O Governo tenta estabelecer normas mínimas de condições de trabalho, aumentar as fiscalizações e promover uma jornada de trabalho de seis horas, explicou.
Segundo a Fundacentro, os acidentes de trabalho fatais no setor têm crescido: foram 84 em 2005 contra 77 em 2002.
“É preocupante, todos os anos tivemos um aumento das mortes”, afirmou Remigio Todeschini.
A Fundacentro não conta mortes de trabalhadores informais, como os 12 cortadores que morreram extenuados nos canaviais paulistas na safra anterior. Os dados são da Pastoral do Migrante da Igreja Católica e do Ministério Público do Trabalho do estado de São Paulo.
Entre 250.000 e 400.000 cortadores em São Paulo devem derrubar e empilhar pelo menos 12 toneladas de cana por dia, a um ritmo de um golpe de facão por segundo, para ganhar o equivalente cerca de R$ 11 por dia.
Na imensa maioria, eles não têm proteção coletiva, nem alojamentos adequados, sofrem de desnutrição, estresse, insolação e nas jornadas de cinco dias por um de descanso são contaminados por agrotóxicos, pó e fuligem, segundo o diagnóstico oficial.
“Tudo isso é uma boa parte da regra nesse setor”, não a exceção, afirmou Todeschini.
O tema foi discutido hoje na Subcomissão Permanente de Biocombustíveis do Senado Federal, em Brasília, A senadora Katia Abreu (DEM-TO) acusou ao Ministério do Trabalho de cometer arbitrariedades contra a indústria da cana e justificou a posição de algumas empresas de impedir fiscalizações mais profundas.
“Nenhum destilador vai abrir para deixar entrar o Ministério do Trabalho e depois ser execrado”, argumentou a senadora, citada pela Agência Senado.
O Ministério da Agricultura prevê que na colheita 2006/2007, prestes a terminar, a safra chegue a 122,5 milhões de toneladas, um aumento de 6,5% sobre a anterior.
Desse volume, 55% é para fabricar álcool, com uma produção de 70 litros por tonelada.
O Brasil é o maior produtor mundial de açúcar e de etanol de cana. Esta condição é defendida por empresários, pelo Governo Federal e pelo próprio presidente Lula, que reivindica o fim dos subsídios agrícolas e a abertura dos mercados mundiais.
Justamente hoje, em Lisboa, Lula e os líderes da União Européia (UE) pediram para se “apostar” nos biocombustíveis.
Pouco antes da Cúpula com a UE, Lula disse que o Brasil procura parceiros para aumentar a produção de biocombustíveis, “um instrumento de proteção ambiental, geração de empregos e criação de oportunidades”.