A demanda global por biocombustíveis deve aumentar 19% comparado a 2024 e, em cenários de emissões líquidas zero até 2050, pode crescer significativamente, impulsionada pelas metas de descarbonização do setor de transporte.
No mesmo sentido, a demanda por alimentos deve aumentar 13% até 2032, principalmente devido ao crescimento populacional dos territórios africanos e asiáticos.
Com o crescimento da produção de biocombustíveis, diversos estudos foram publicados destacando problemas relacionados à competição com a produção de alimentos.
No entanto, no contexto brasileiro, a combinação de tecnologias, como o sistema de sucessão, possibilita sinergias entre biocombustíveis e segurança alimentar, desafiando a ideia simplista de competição pelo uso da terra.
Grande parte dos estudos realizados até o momento avaliam tipos de biocombustíveis genéricos e em nível mundial, desconsiderando as especificidades regionais e cadeias de produção particulares.
A entrada da indústria de etanol de milho de segunda safra no Brasil impactou positivamente a renda, consumo e bem-estar das famílias mais pobres da região Centro-Oeste, proporcionando melhores condições de acesso aos alimentos.
Esse foi um dos resultados do estudo publicado por Gurgel et al. (2024), explicado pelo desenvolvimento local, crescimento econômico e geração de novos empregos.
Apesar do aumento da demanda de milho para a produção de etanol – dez vezes em seis anos – o consumo representou apenas 12% da produção total na safra 2023/24.
Além disso, não houve redução da quantidade destinada à alimentação humana e animal, nem aumento significativo do preço do milho no mercado local, que segue a tendência de preços do mercado internacional.
O Brasil, como um dos maiores produtores e exportadores de commodities agrícolas do mundo, possui forte contribuição na oferta global de biocombustíveis e alimentos, garantindo essa expansão pautada em técnicas sustentáveis.
A implementação de técnicas “poupa-terra” possibilita maximizar a produção de biocombustíveis sem a necessidade de expandir novas áreas agrícolas ou competir com a produção de alimentos.
Estima-se que o potencial de expansão do cultivo de milho de segunda safra em áreas de soja já consolidadas e aptas seja de 16,6 milhões de hectares (Mha), com uma capacidade de produção de 38 bilhões de litros adicionais de etanol por ano.
Com DDG, há redução da demanda de milho e soja na alimentação animal
Vinculado a essa produção também existe a geração do Dried Distillers Grains (DDG), destinado à alimentação animal, que substitui parte dos grãos antes utilizados para este fim.
Com a entrada de DDG no mercado e maior oferta de ração, há uma redução da demanda por soja e milho utilizados na alimentação animal e, consequentemente, uma diminuição no preço da ração animal, além da menor necessidade de área para a produção desses grãos. Adicionalmente, o DDG é uma fonte de alto valor de proteína, que permite maior eficiência no tempo de engorda do rebanho, contribuindo para a intensificação da pecuária.
Estudos recentes estimam que existam entre 28 e 36 Mha de áreas de pastagens no Brasil com diferentes níveis de degradação, aptas para conversão agrícola.
Outro ponto importante que merece ser mencionado é o ganho de produtividade das principais culturas energéticas.
Na safra 2023/24, o milho de segunda safra, somado à soja, resultaram em uma produção de 10 toneladas por hectare, ou seja, 218% a mais do que uma área exclusiva de soja. Com isso, o sistema soja-milho aumenta a produção de grãos em uma mesma área e otimiza o uso da terra.
A produção de etanol de milho de segunda safra é capaz de ofertar energia, alimentos e nutrição animal, além de contribuir para o enfrentamento das mudanças climáticas e redução das emissões de CO2, apoiando a segurança alimentar e energética.
Sobre as autoras:
Luciane Chiodi Bachion, sócia e pesquisadora sênior da Agroicone
Especialista em modelagem matemática e econométrica, análise da dinâmica dos setores agrícolas e temas ambientais.
Coordena pesquisas na área de sustentabilidade da produção agrícola, de comércio internacional e de inteligência de mercado para as cadeias agrícolas.
Participou do desenvolvimento do Modelo de Uso da Terra para a Agropecuária Brasileira (BLUM) e do desenvolvimento do “Outlook Brasil 2022: projeções para o agronegócio”, como responsável pela modelagem e análise do setor de grãos.
Experiência em modelagem estatística, utilizando a abordagem Bayesiana e de séries temporais em Madrid e São Paulo. Licenciada em matemática pela UNESP e mestre em Comércio Exterior pela Universidade Carlos III de Madrid e em Economia Aplicada pela ESALQ/USP.
Sofia Marques Arantes, pesquisadora da Agroicone:
Graduada em Economia e Relações Internacionais pela Faculdades de Campinas – FACAMP, com doutorado em Planejamento de Sistemas Energéticos pela Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM/UNICAMP) e mestrado pelo mesmo Programa.
Tem experiência profissional em bioenergia, biocombustíveis, agricultura, sustentabilidade e mudanças climáticas.