Mercado

Como fugir da escuridão

Durante milhões de anos, a vida dos seres vivos foi regida pelo Sol, a fonte primordial de energia para a Terra. Durante o dia, era possível ver longe e aproveitar o calor, mas à noite os animais que não eram adaptados a enxergar no escuro precisavam se refugiar e esperar pela segurança da manhã. No entanto, desde que diferentes formas de energia passaram a ser dominadas pelo homem, a força do braço e dos animais deixou de ser a única capaz de levantar e transportar objetos; o trabalho passou a ser feito também por máquinas e as cidades começaram a funcionar 24 horas por dia. O problema é que a produção de energia é limitada e o planeta dá sinais de que em breve esse importante recurso não estará mais disponível na quantidade necessária. Em um especial publicado na sua edição de hoje, a revista Science lança a pergunta: o que pode ser feito para que o mundo não volte a viver às escuras?

Especialistas são unânimes ao apontar a enorme importância da energia para a modernidade. “Ela é fundamental para manter e melhorar nosso padrão de vida, mas só existe uma quantidade limitada de recursos e precisamos usá-los da forma mais eficiente possível”, diz ao Estado de Minas o diretor do Centro de Pesquisa em Energia da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, Eric Wachsman. Ele aponta o caso brasileiro como um exemplo de como uma região pode usar seus recursos para suprir a escassez das formas tradicionais de energia. “O Brasil, por exemplo, adotou os biocombustíveis a fim de reduzir sua dependência do petróleo importado com muito sucesso”, avalia.

Para ele, países que ainda não têm a mesma capacidade brasileira podem começar adotando medidas mais simples para diminuir seu consumo energético. “A redução semelhante no combustível importado pode ser alcançada pela eficiência cada vez maior de automóveis, ou seja, com carros que fazem mais quilômetros por litro”, sugere o pesquisador. “Essa estratégia também poderia ajudar a reduzir o uso de biocombustíveis”, completa o especialista, um dos autores do especial publicado pela Science.

Para Bill Gates, fundador da Microsoft e membro do Conselho Americano de Inovação em Energia, os Estados Unidos – um dos líderes em consumo de energia e um dos principais poluidores do mundo – precisam passar a ver o investimento em tecnologias energéticas verdes. “Em um momento de crise econômica, pedir aos tomadores de decisões em Washington para gastar mais não pode ser a posição mais popular, mas é uma medida essencial para proteger os interesses nacionais dos Estados Unidos e garantir que o país desempenhe um papel de liderança no mercado global em rápido crescimento da energia limpa”, afirma Gates em editorial publicado no periódico científico.

A posição norte-americana, aliás, é vista pelo empresário da informática como problemática. “Os EUA gastam anualmente cerca de US$ 1 bilhão importando petróleo, enquanto países como China, Alemanha, Japão e Coreia fazem enormes investimentos em tecnologias de energia limpa”, afirma. “Combustíveis à base de carbono são propensos a oscilações de preço e estão fazendo com que o planeta se aqueça demais. A criação de novos produtos energéticos é uma coisa boa e gera serviços e empregos. Por isso, será um erro sério se os EUA perderem essa oportunidade singular”, aponta.

Reservas Outro problema a ser resolvido urgentemente, segundo os especialistas ouvidos pela revista, é a pouca capacidade de se reservar energia elétrica. Atualmente, a principal forma de armazenamento são os reservatórios das hidrelétricas, um sistema que vem sendo criticado por ambientalistas porque a capacidade de reserva de uma usina está diretamente ligada ao tamanho dos reservatórios de água, que muitas vezes inundam áreas ambientais importantes. As usinas também enfrentam o problema da dificuldade cada vez maior de prever a frequência dos períodos chuvosos e das secas, cada vez mais longas.

A sugestão de Bruce Dunn, do Instituto de Energia Elétrica (EPRI, na sigla em inglês), em Palo Alto, nos Estados Unidos, seria adotar uma versão melhorada de um equipamento tão comum nos dias de hoje, que quase passa despercebido: as baterias. “Embora o armazenamento de energia existente atualmente seja dominado pelas hidrelétricas, os sistemas de baterias podem oferecer bons resultados, desde que os custos se tornem mais baixos”, afirma em seu estudo. “Os sistemas de bateria de sódio-enxofre já estão comercialmente disponíveis para diversas aplicações e oferecem baixo custo. Os sistemas de íons de lítio estão em desenvolvimento para a aplicação em equipamentos eletrônicos comerciais e veículos elétricos”, completa.