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Comércio e Copa põem Lula e Chirac em lados opostos

A troca de afagos que marcou ontem o encontro dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e o francês Jacques Chirac não impediu que os dois divergissem publicamente sobre a Rodada de Doha — como é chamada a negociação que ocorre no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). Chirac responsabilizou os EUA pela falta de avanço, demonstrou irritação ao ser indagado pela segunda vez sobre o tema e disse que os europeus já fizeram, sem sucesso, tudo o que podiam. Já Lula cobrou mais empenho politico dos líderes dos países desenvolvidos, sem excluir o presidente da França.

— Os EUA, na realidade, detêm a chave do problema. A Europa fez tudo o que podia e devia fazer e não tem condições de fazer mais — disse Chirac, acrescentando que os americanos não deram um único passo em direção à queda dos subsídios domésticos.

— Todos acham que já fizeram o que era possível, que concederam o que podiam, mas até agora não houve acordo — disse Lula, por sua vez.

Chirac cobrou maior abertura dos países em desenvolvimento, como o Brasil, nas áreas de bens industriais e serviços. O presidente ficou irritado, durante a entrevista coletiva no Palácio da Alvorada, quando uma jornalista insistiu no assunto:

— Eu não vou repetir a segunda vez o que já disse. Eu me expliquei bastante com o presidente Lula e disse há pouco qual era a posição da Europa — disse, encerrando a entrevista.

Lula, por sua vez, disse estar otimista quanto a um avanço na Rodada de Doha, mesmo que seja pequeno. Ele afirmou que pedirá aos países do G-8 (grupo das nações mais desenvolvidas do mundo e a Rússia), na reunião em Moscou, em julho, que os líderes adotem uma postura política e cobrem de seus técnicos que acelerem as negociações.

O presidente brasileiro disse que o Brasil e os países do G-20 (reúne as nações emergentes) estão dispostos a melhorar suas ofertas em serviços e bens industriais, desde que haja contrapartida.

— A decisão é política, e não mais comercial ou econômica. Temos de assumir nossas responsabilidades políticas, em vez de ficarmos pensando quem vai ganhar ou perder — afirmou Lula.

Chirac e ministro elogiam combustível verde do Brasil

Apesar das divergências sobre a OMC, Lula e Chirac reiteraram a parceria que têm em uma série de projetos de cooperação, incluindo o biodiesel e a transferência de tecnologia. Chirac reforçou o apoio dado pela França à candidatura do Brasil a uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU e elogiou o Bolsa Família.

— O Brasil é o elemento-chave para garantir a unidade na América do Sul.

Antes do encontro com Lula, Chirac se reuniu com cerca de 80 dirigentes de grupos franceses que atuam aqui. Para Chirac, o Brasil é um dos países que vão dominar a economia mundial nas próximas décadas. Uma das áreas de destaque é a de biocombustíveis, como o etanol. Ele e o ministro francês da Economia, Thierry Breton, elogiaram os benefícios do “combustível verde” e confirmaram que a França quer equipar as bombas dos seus postos com esta alternativa até 2010.

Mas o encontro entre os dois presidentes acabou em futebol. Lula não resistiu e incluiu o tema na entrevista. Animado pelos jornalistas franceses, Lula provocou Chirac:

— Desculpe, mas a seleção brasileira é a melhor e vai vencer a Copa da Alemanha.

— Infelizmente, mas isso é temporário — respondeu o presidente francês, acrescentando que aposta em uma final entre Brasil e França.

A cerimônia no Alvorada teve direito a gafe: um fotógrafo francês caiu no espelho dágua do Palácio do Alvorada.