Mercado

Com açúcar, sem afeto

Passada a campanha eleitoral pude perceber o quanto o Setor Sucroalcooleiro alagoano ainda é usado como “saco de pancada” para aliciar votos. Palavras de ordem, como: “usineiros retrógrados”, “fora à monocultura da cana” ou “setor antiquado”, são comuns em alguns discursos. Geralmente são discursos que, como forma de redução do desnível social, pregam mais a extinção das riquezas existentes do que a criação de outras.

A palavra “usineiro” já foi tão deturpada e usada pejorativamente, que desencadeou um preconceito generalizado na comunidade. A mídia, por sua vez, aproveita-se da impopularidade do Setor para dar mais destaque as notícias e opiniões depreciativas; criando, assim, um círculo vicioso que realimenta o preconceito.

O trocadilho no título de uma das músicas de Chico Buarque – que denomina este artigo – serve para definir o tratamento que o Setor tem recebido. É curioso ver um Estado tão carente de crescimento, tratar um dos seus setores econômicos mais importantes com tanto desafeto.

Se analisarmos alguns fatores que colaboraram com o estigma das usinas, veremos que muito deles, ou estão equivocados, ou não se enquadram mais com a atualidade. Vejamos alguns:

– A antiguidade do Setor: O fato de ter quase 500 anos de existência, de ter participado de períodos que mancham a história do Brasil – como o escravocrata –, fixou às empresas a imagem antiquada e retrógrada. Além do mais, o estigma do Senhor de Engenho, ficou impregnado no inconsciente coletivo, fazendo com que muitos o transfira para o empresário atual.

– O preconceito com a monocultura da cana-de-açúcar: Ainda existe quem acredite que a monocultura da cana é prejudicial para Alagoas. Gente que defende a diversificação da agricultura como se nosso clima permitisse opção, ou, como se fosse possível irrigar os 420 mil hectares – que a cana representa – com outras culturas. Ora! é preciso entender que não se planta cana por ideologia ou paixão. Planta-se porque é uma das poucas, se não a única, cultura de larga escala que resiste a aridez do Nordeste e que é economicamente viável. Além do mais, uma cultura que teima em resistir por quase 500 anos às adversidades do Nordeste não pode ser menosprezada. Quando surgir outra cultura com estas características a dita monocultura cederá seu espaço naturalmente.

– O excesso de regulamentação: A regulamentação das empresas, sob o jugo do I.A.A. (Instituto do Açúcar e do Álcool), que determinava preço, produção e venda dos produtos, impedia a concorrência. Com isto as usinas não tinham estímulo para modernizar-se. Criaram-se, então, empresas ineficientes e com alto grau de dependência do Governo Federal. Formou-se, então, a imagem de empresa que vive de benesses.

– A falsa idéia de fracasso do Proálcool: O Proálcool foi criado visando tornar o país menos dependente do petróleo internacional. Com a baixa do preço do petróleo, o álcool tornou-se pouco competitivo em relação à gasolina, levando o programa à estagnação.

Quase simultaneamente à interrupção do Proálcool, os Estados Unidos começavam a incentivar sua produção de álcool combustível. Hoje é o segundo maior produtor do mundo com, aproximados, 7 bilhões de litros anuais. Em primeiro vem o Brasil, com metade da produção mundial: em torno de 12 bilhões de litros anuais.

Com os novos conflitos no Oriente Médio somados as questões ambientais, o mundo volta-se para o álcool como alternativa de combustível. O governo da Índia está incentivando a construção de vinte destilarias de álcool naquele país e aprovando a mistura de 5% de álcool à gasolina. Os EUA pretendem dobrar sua produção nos próximos dois anos. Países como Japão, Tailândia, Austrália e México estudam o uso do álcool como aditivo a gasolina.

Com a drástica redução nas vendas de carro a álcool, ficou a impressão de que o programa fracassou. Na realidade ele foi um sucesso: primeiro, o País economizou bastante divisas durante os anos de Proálcool; segundo, não fosse o programa, provavelmente, não teríamos condições de misturar os 26% de álcool na gasolina. Com isto estaríamos bem mais dependentes do petróleo internacional e poluindo proporcionalmente 26% a mais nossa atmosfera. A prova maior do sucesso do Proálcool são os países que seguem nosso caminho. Como podemos ver, os fatos contrapõem-se às críticas.

A primeira vista, pode parecer que estou querendo isentar o Setor de qualquer erro, não é isto. Claro que, como em qualquer outra classe, existem erros e acertos. O que estou querendo mostrar, é que com a evolução do Setor, muito dos antigos conceitos precisam ser revistos. Para conhecermos essas mudanças vou expor alguns dados que geralmente são pouco divulgados pela mídia.

As grandes mudanças aconteceram a partir do livre mercado criado com a desregulamentação do Setor: as usinas enxugaram custos, investiram em tecnologia, otimizaram os processos industriais e agrícolas, desenvolveram programas de treinamentos e de qualidade, e, sobretudo, investiram na gestão empresarial; fatores preponderantes para a competitividade alcançada. Aliás, grande parte da população não sabe que, nesse campo, o Brasil é o país mais competitivo do mundo. Para se ter idéia, a maioria dos custos dos grandes produtores mundiais estão duas vezes acima do brasileiro podendo chegar até quase 5 vezes o nosso. É importante também lembrar que quase todos, concedem altos subsídios, fato tão criticado no nosso meio.

Na última década, o Brasil ultrapassou, tecnologicamente, países que sempre estiveram à nossa frente. Hoje o Brasil exporta tecnologia sucroalcooleira. Empresas estrangeiras, de olho em nossa competitividade, estão adquirindo usinas aqui.

Mas as mudanças não foram apenas essas; o Setor amadureceu e se conscientizou também para as responsabilidades sociais. Tomemos por exemplo o estado de Alagoas: os programas de erradicação do trabalho infantil têm repercutido nacionalmente. Existe usina daqui que ministrou palestra no “Seminário Mercosul de Combate ao Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalhador Adolescente”, ocorrido este ano em Brasília. Também temos sido convidados pela DRT (Delegacia Regional do Trabalho) de outros estados para apresentar experiências bem sucedidas no combate ao trabalho infantil. Das 27 unidades industriais, 7 já estão certificadas pela Fundação Abrinq como “Empresa Amiga da Criança”, outras quatros estão em análise. Estima-se que nesta safra as usinas de Alagoas irão investir aproximadamente 18 milhões de reais em programas sociais.

Nas questões ambientais, Alagoas vem desenvolvendo um projeto de recuperação da mata atlântica, que deve ser o maior do Brasil: cerca de 23 usinas em parceria com o I.P.M.A – Instituto para Preservação da Mata Atlântica – estão formando corredores de matas que atravessa todo o Estado. Estão com o compromisso de plantar anualmente 500 mil mudas de espécie nativa; estão abandonando os canaviais de encosta para serem reflorestados; estão recompondo as nascentes e margens dos rios com matas ciliares; estão implantando programas de educação ambiental junto à rede de ensino municipal. Todas estão utilizando 100% da sua vinhaça como fertilizante; algumas estão certificando-se com programas de gestão ambiental. Existe, inclusive, usina com programa ambiental reconhecido pela Unesco.

Como podemos observar, as mudanças ocorridas nas usinas foram extremamente significantes, entretanto, o mesmo não se observa com relação à concepção da imagem do Setor. Aliás, é bom esclarecer que, o estigma ao Setor só existe no Brasil – mais precisamente no nordeste brasileiro -. Em outros paises os usineiros são considerados como agentes do progresso.

Enquanto aqui a opinião pública critica qualquer incentivo à classe, a de lá apóia o alto subsídio pago no açúcar como forma de proteção a essas empresas. Outro exemplo é com relação à queima da palha da cana no campo: enquanto aqui esta prática vem sendo proibida por lei, na Austrália ela é exaltada como atração turística – o objetivo aqui é apenas mostrar as diferenças comportamentais entre as comunidades, entretanto, vou aproveitar para expor dois fatos que podem servir de reflexão para esse assunto: primeiro, se a palha não for queimada no campo será queimada na usina para geração de energia, resultando na queima de uma forma ou de outra; segundo, entre uma queima e outra a cana leva doze meses produzindo fotossíntese, portanto, fazendo para a atmosfera, o processo inverso do que acontece na queima.

É importante salientar que, em relação à evolução do Setor, Alagoas foi um dos estados mais competentes do Brasil, sobretudo ao que se refere à tecnologia de irrigação. Hoje, podemos dizer que Alagoas é, tecnologicamente, um dos locais mais adiantado do mundo em fertirrigação de cana-de-açúcar. Para constatar a competência do nosso Estado basta fazermos um comparativo com o vizinho: Pernambuco, que historicamente sempre esteve à nossa frente em cana-de-açúcar, hoje produz cerca de 29% do total de cana do Nordeste, enquanto Alagoas representa aproximadamente 48%.

Como podemos ver o discurso de “usineiro retrógrado” não cabe mais aos empresários alagoanos e a palavra “antiquado” fica mais apropriada aos próprios discursos, que pararam no tempo. Parece-me inclusive, que esses discursos em oposição ao Setor só acontecem por aqui. Pois, até um dos maiores líderes esquerdista da história do Brasil, hoje nosso Presidente eleito, atentou na importância social deste Setor, e baseado nisto usou-o como plataforma política.

Por não haver mais área agricultável para expansão da cana em Alagoas, alguns grupos empresariais passaram a investir no centro-sul do país. Observou-se então, que uma das diferenças culturais mais relevante entre essas comunidades é a convivência delas com o Setor. A de lá reparou na importância do Setor e valorizou seu relacionamento, a daqui continua por desmerecê-lo. Enquanto aqui alguns burocratas da administração pública tratam os usineiros com aversão – quando não com arbitrariedade -, os de lá vêem à classe como parceira do desenvolvimento, fornecendo infra-estrutura para o crescimento da empresa e do município. Enquanto aqui alguns desejam acabar com a monocultura da cana, os de lá clamam para que se instalem mais usinas em suas regiões.

Estados como São Paulo, Minas Gerais, e Paraná possuem uma economia sucroalcooleira de grande magnitude, entretanto, em nenhum deles essa economia é tão representativa para seus Estados quanto é aqui. Estima-se que nesta safra o faturamento bruto do Setor em Alagoas, seja de aproximadamente 1,5 bilhões de reais. Dinheiro que será utilizado no custeio da safra e em investimentos nas usinas; dinheiro que gerará impostos e mais empregos em todo o comércio alagoano. Além disso, o Setor gera 67 mil empregos diretos e 335 mil indiretos, empregos que fixam o homem no campo.

Conforme nota publicada na revista Veja de 09 de outubro deste ano, Alagoas passou a ocupar o posto de Estado mais pobre do país. É inconcebível que um Estado tão carente de recursos destrate um Setor tão relevante; é inconcebível que a comunidade trate o Setor como se o objetivo de um contrapusesse ao do outro, como se o crescimento de um não alavancasse o do outro.

Outro dia, em uma missa de comemoração aos dez anos da Casa Dom Bosco – instituição filantrópica que acolhe meninos de rua – me foi distribuída uma mensagem que refletia sobre o formato de vôo dos gansos. Dizia a mensagem que os gansos voam em formato de “V” porque cada um se beneficia do movimento do ar provocado pela batida de asa da ave imediatamente à sua frente, dizia que o bando ganha pelo menos 71% a mais de força de vôo do que uma ave voando sozinha. A reflexão conclui que: “pessoas que têm a mesma direção, e sentido de comunidade, podem atingir seus objetivos mais rápido e facilmente”.

Para finalizar, não posso deixar de fazer uma analogia da mensagem com o tratamento concedido às usinas alagoanas: Alagoas precisa unir-se com sentido realmente de comunidade para resolver seus problemas. Precisamos agrupar: sociedade, Governo, empresários e autoridades gerais, para caminharmos em uma só direção. Para que, como os gansos, o esforço de um impulsione o do outro.

Paulo C. Wanderley, diretor gerente da Usina Coruripe – e-mail: [email protected]

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