O engenheiro agrônomo Manoel Ortolan tem autoridade quando o assunto é cana-de-açúcar. Ele preside a Organização de Plantadores de Cana da Região Centro-Sul do Brasil (Orplana), a principal representante dos fornecedores particulares da matéria-prima do açúcar, do etanol e da bioeletricidade do País.
São mais de 18 mil fornecedores em 34 associações associadas. Eles são responsáveis pela entrega de 100 milhões de toneladas de cana por safra, quase 20% de toda a cana que deverá ser processada na safra 2015/16 no Centro-Sul.
Com a autoridade que possui no assunto, Ortolan trata, nesta entrevista ao Portal JornalCana, de temas polêmicos, como a reivindicação pela cobrança das usinas pelo bagaço e pela palha dos fornecedores transformada em eletricidade. E dá sua opinião sobre as 16 variedades que a Rede Interuniversitária de Desenvolvimento do Setor Sucroenergético (Ridesa) lançou na quarta-feira (25/11) em Ribeirão Preto.
Fala também sobre a cana transgênica que o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) projeta lançar em 2017.
Portal JornalCana – Já está definido quanto o fornecedor de cana-de-açúcar quer receber das usinas pelo bagaço e pela palha?
Manoel Ortolan – Não há nada definido. Faremos um evento [nesta quinta-feira, 26/11, em Sertãozinho] para mostrar o tipo de utilização do bagaço da cana e da própria palha. Com a cogeração, o bagaço virou mais um produto da cana. Sempre aguardamos, dentro do setor, principalmente a nível do método Consecana [Conselho dos Produtores de Cana-de-açúcar, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo], que o produto atinja um determinado volume, uma representação em que a partir daí busquemos agregar valor também para o fornecedor de cana.
Explique mais, por favor.
Manoel Ortolan – Já foi assim com o etanol para outros fins, com o açúcar VHP, que inicialmente não participavam do Consecana. A questão da cogeração vem se desenvolvendo, e não diria que pensamos já em ter uma remuneração [pelo bagaço]. Mas essa reunião [em Sertãozinho] busca mostrar a utilização do bagaço e da palha, e nos prepararmos para também discutir o assunto [remuneração] em relação aos fornecedores de cana.
Não há uma fórmula para cobrar?
Manoel Ortolan – Não. É um assunto a ser discutido pelo setor, e provavelmente o fórum mais adequado é o Consecana.
Para 2016?
Manoel Ortolan – Não há uma data. Depende de entendimento e temos de construir esse entendimento baseado no que vem sendo feito em termos de mercado e do que isso representa como negócio.
Quantas unidades sucroenergéticas da região Centro-Sul já devem utilizar bagaço para cogerar eletricidade?
Manoel Ortolan – Perto de 170.
E como está o ritmo de uso da palha?
Manoel Ortolan – A palha representa um mercado que irá se desenvolver. No caso do bagaço, o que estamos pensando é que ele possa ser agregado no Consecana. O bagaço já vai na cana entregue à unidade. A palha, que fica no campo, tem de ser recolhida também para ir às caldeiras, ou ter outro destino, creio que será um mercado a parte. Haverá um preço e se venderá a palha enfardada, ou de alguma maneira, para a unidade industrial.
São dois tipos de mercado?
Manoel Ortolan – São dois tipos de agregação de valor. Uma é a palha, que pode ser vendida para a usina ou para as caldeiras da área de citros. A palha pode também ter outros destinos, como ser peletizada. O bagaço a gente pensa via Consecana. Mas também não sabemos se isso será possível. [O bagaço] hoje é uma receita para as indústrias, e entendemos que chegou a hora de conversar sobre isso.
Chuvas e safra
As chuvas mais atrapalham ou ajudam a safra 2015/16?
Manoel Ortolan – Há os dois lados. O lado bom é que as chuvas garantem para a próxima safra uma boa brotação de soqueiras, um bom desenvolvimento de soqueiras. Mas as chuvas comprometem um pouco o fim da safra 15/16. Já há perdas de 35 dias de moagem na safra. Isso compromete o volume de cana a ser moído.
E o que pode ocorrer?
Manoel Ortolan – Haverá mais sobra de cana que o projetado e o início da próxima safra mais cedo, com maior número de unidades industriais. Isso porque muitos que iriam moer mais já pensam em parar, porque moem um dia e param três. E fica caro.
Os bons preços para o etanol, e o cenário de bons preços para o açúcar, chegam ao fornecedor de cana?
Manoel Ortolan – Sim. O preço da cana é formado hoje a partir dos preços do açúcar e do etanol, tanto no mercado interno quanto no mercado externo. É da composição desses preços, com o ritmo de comercialização ao longo da safra, que se forma o preço da cana. O que houve de aumento a gente já sente no preço do Açúcar Total Recuperável (ATR) do mês. Entre outubro e novembro já houve um pulo significativo de preço.
Boa notícia.
Manoel Ortolan – Mas o que recebemos é formado ao longo da safra. Então veremos toda essa melhoria no final [da safra] em 31 de março de 2016. Mas já temos aumento de preço em função do crescimento do preço do ATR divulgado todo mês.
As unidades do Centro-Sul projetam moer perto de 600 milhões de toneladas de cana. Quanto desse volume é dos fornecedores associados à Orplana?
Manoel Ortolan – Em torno de 100 milhões de toneladas de cana.
Quando dessa cana deverá ficar bisada?
Manoel Ortolan – Cana de fornecedor é muito difícil de ficar bisada. Via de regra, as usinas privilegiam a moagem da cana dos fornecedores no fim da safra, e o que sobrar é delas.
As variedades de cana RB são maioria nos canaviais dos fornecedores ligados à Orplana?
Manoel Ortolan – São. Quando os representantes da Ridesa dizem que as variedades RB representam 68% do mercado, isso reflete a média do que está no campo. E inclui a cana de fornecedores.
Variedades Ridesa e cana transgênica
Diante o cenário mais positivo para o setor, a Orplana vê uma tendência de investir na aquisição das variedades recém-lançadas pela Ridesa?
Manoel Ortolan – As que estão sendo lançadas têm tempo ainda de maturação para expandir e ganhar área significativa. Mas principalmente agora, após o fracasso da variedade 3250, talvez a mais plantada nos últimos 20 anos e que teve problemas sérios de sanidade, é rapidamente substituída por variedades novas.
O Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) prevê para 2017 o lançamento de variedade de cana transgênica. Não irá competir com essas novas variedades RB?
Manoel Ortolan – São diferentes. A variedade transgênica permitirá um novo salto de produtividade, porque realmente traz ganhos significativos. Mas é um passo além. Até agora o CTC, IAC e Ridesa lançam variedades que competem entre si. Uma variedade transgênica certamente terá um plus a mais de produtividade, mas consequentemente custará mais caro também.
Contate o autor deste texto: [email protected]