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Censo mostra aumento de concentração de terra

Em dez anos, o agronegócio brasileiro cresceu, modernizou-se e ganhou produtividade, mas esse avanço não alterou uma realidade: a concentração da terra na mão de poucos proprietários, que até aumentou. Esse retrato surge dos dados do Censo Agropecuário de 2006, divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – o último havia sido realizado em 1995 e 1996.

Indicador-síntese da desigualdade no campo, o índice de Gini da terra subiu 1,9% na média nacional de 1996 a 2006, tendência apontada na maioria dos estados. Quanto mais perto esse índice está de 1, maior é a concentração. Em São Paulo, por exemplo, o crescimento da cultura de cana-de-açúcar (estimulada pelo maior uso de álcool com o carro flex e pelos bons preços do açúcar) fez a concentração da terra aumentar 6,1%.

O índice relaciona a área total destinada à lavoura e à p! ecuária com o número de proprietários rurais. Ou seja, revela que a terra estava, em 2006, nas mãos de um número menor de proprietários do que dez anos antes.

Para Antonio Carlos Florido, gerente do Censo Agropecuário do IBGE, a maior concentração não é necessariamente algo ruim, pois mostra que a terra era explorada por quem tinha capital para investir. Esse, diz, foi um dos motivos do ganho de produtividade do campo.

“O índice de Gini não qualifica a concentração. Apenas indica se ela aumentou ou não. Às vezes, o arrendamento de propriedades (que não é captado) pode resultar em maior distribuição de renda (para os donos da terra). Porém, ele representa o aumento da concentração. Se ela é boa ou ruim, depende do ponto de vista”, afirmou.

RESULTADOS. Na visão de Fábio Silveira, diretor da RC Consultores, o aumento da concentração é uma imposição econômica e reflete o modelo escolhido pelo Brasil: uma agricultura “de resultados”, competitiva e sem os pesados subs! ídios dos países desenvolvidos. “A tendência é que a produção em escala maior e em grandes propriedades tenha melhor resultado econômico e de produtividade”, disse.

Entretanto, os dados mostram que o aumento da concentração ocorreu com mais força nas médias propriedades. Isso porque o peso dos latifúndios (mais de mil hectares) na área total oscilou pouco – de 45,1% em 1995/1996 para 44% em 2006. E a participação dos minifúndios (até dez hectares) subiu marginalmente, passando de 2,2% para 2,4%.

O movimento de concentração, diz o IBGE, foi puxado pelas grandes culturas de exportação (soja e milho, especialmente), pela profissionalização do agronegócio e pelo avanço da fronteira agropecuária em direção à Amazônia e ao Pantanal – impulsionada pela criação de bovinos e pela soja.

Não por acaso, os maiores aumentos do índice de Gini da terra ocorreram em Mato Grosso do Sul (4,1%) e no Tocantins (9,1%), além de São Paulo. Nos dois primeiros casos, a pecuária cresce! u com força desde meados da década de 90. Já as estruturas agrárias mais concentradas permaneceram no Mato Grosso (na esteira da soja e do gado) e em Alagoas (por conta da cana-de-açúcar).

A concentração só não se acentuou ainda mais por causa da criação de áreas de preservação e terras indígenas. Talvez por isso Roraima tenha registrado a maior queda no índice de Gini – de 18,3% -, uma vez que boa parte do território é composto por reservas.

1/3 dos agricultores sem estudo

Mais de um terço dos 16,5 milhões de agricultores brasileiros são analfabetos ou não têm estudo. O Censo Agropecuário do IBGE revela que a baixa escolaridade persiste e 39% dos produtores agropecuários não sabem ler e escrever ou o fazem precariamente, sem estudo formal. Se forem acrescentados a esse grupo os produtores que têm ensino fundamental incompleto, e que correspondem a 43% do total, o Censo revela que 80% dos agricultores, ou cerca de 13,2 milhões de pessoas, têm pouco ou nenhum acess! o à educação. Apenas 3% têm ensino superior.

Para o secretário-executivo e ministro interino do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Daniel Maia, esse é um dos dados preocupantes dos resultados apresentados ontem pelo instituto. Foi a primeira vez que o censo mediu escolaridade dos produtores. De acordo com o levantamento, as regiões Norte (38%) e Nordeste (58%) concentram os maiores porcentuais de produtores analfabetos ou sem nenhum ano de estudo, enquanto Centro-Oeste (13%) e Sudeste (11%) têm os maiores porcentuais de produtores com ensino técnico agrícola ou ensino médio completo.

O censo revelou também uma redução no ritmo de queda na ocupação no campo na última década: o número de pessoas caiu 7,2% entre 1996 e 2006, mas o recuo foi menor do que o apurado entre os censos de 1985 e 1996, quando chegou a 23,3%. A pesquisa mostra ainda que houve certa estabilidade no número de ocupados por estabelecimento agrícola, que caiu quase à metade de 1920 a 1940, pass! ando de 9,74 para 5,33 pessoas. O índice ficou estável pelos 10 anos seguintes e, a partir de 1960, oscilou entre três e cinco, chegando a 3,2 no Censo divulgado ontem.

A queda no número de ocupados coincide com a continuidade do processo de mecanização no campo. De acordo com o censo, 530 mil estabelecimentos, ou 10,2% do total, tinham tratores, que somavam 820 mil unidades.

Os veículos mais fortes (acima de 100 cv) somam 250 mil unidades, 99,4% a mais do que o total de 1996. Houve também um forte incremento na produção de culturas mais mecanizadas e de elevada produtividade, como a soja, que apresentou um aumento de 88,8% na produção na última década, alcançando 40,7 milhões de toneladas segundo o último levantamento. Grande parte do incremento esteve localizado na região Centro-Oeste.