Embalada por aumentos de receita e lucro no Brasil em 2014, a americana Cargill, maior empresa de agronegócios do mundo, acelera o passo para concluir, em 2015, um plano de investimentos de R$ 1,2 bilhão que tende a fortalecer a subsidiária local como uma de suas principais fontes de resultados entre os quase 70 países nos quais mantém operações diretas.
Deflagrado no início de 2014, o plano, bienal, contabilizou aportes de R$ 640 milhões até dezembro. Restam, portanto, R$ 560 milhões, que estão sendo aplicados em diferentes frentes de negócios e também marcarão as comemorações dos 50 anos de atividades da companhia no país. Fundada em 1865 em Conover, Iowa, por William Wallace Cargill, a múlti aportou no Brasil em 1965.
Sem ações negociadas em bolsa e controlada por um grupo de cerca de 100 membros das famílias Cargill e MacMillian, descendentes do patriarca W.W., a Cargill não dá sinais de que pretenda mexer em nenhum dos pilares básicos que em 150 anos a sedimentaram como a líder global de um setor cada vez mais concorrido, sobretudo a partir do recente avanço de tradings asiáticas cada vez mais voltadas a produtos agrícolas.
Nesse sentido, ganham força os investimentos da empresa para otimizar o escoamento dos produtos originados no Brasil com destino ao mercado externo, como a ampliação do terminal portuário de Santarém e a implantação de uma estação de transbordo em Miritituba. Os projetos desenvolvidos no Pará estão recebendo aportes de R$ 240 milhões e R$ 200 milhões, respectivamente.
Com capacidade para escoar 2 milhões de toneladas de grãos por ano, o terminal de Santarém está sendo ampliado para 5 milhões. Os trabalhos tiveram início em maio de 2014 e deverão estar concluídos no terceiro trimestre deste ano. Parte do aumento do volume previsto chegará ao terminal por via fluvial graças à estação de Miritituba, que recebeu licença de instalação em novembro e deverá ficar pronta em 2016.
“A concorrência está acirrada e a busca por eficiência tem que ser constante e diferenciada. São grandes empresas na disputa, e produtores e consumidores ganham com isso”, afirma Luiz Pretti, presidente da Cargill no Brasil. O executivo está na empresa desde 2005, quando se tornou o primeiro diretor financeiro brasileiro da subsidiária, e hoje também é membro do comitê mundial de risco da companhia, cuja sede há tempos é em Minneapolis, no Estado americano de Minnesota.
Em meio a uma corrida movida por aportes em logística e também definida por “boas brigas” na originação dos diferentes produtos agrícolas movimentados pela empresa – especialmente grãos – e pela necessidade de elevar margens com a venda de produtos de maior valor agregado, Pretti não esconde sua satisfação com os resultados obtidos pela operação brasileira em 2014.
Conforme balanço recém-concluído, a receita líquida da Cargill no país alcançou R$ 26,2 bilhões no ano passado, 5,6% mais que em 2013, enquanto o lucro líquido cresceu expressivos 26% na comparação, para R$ 481 milhões. Parte desses resultados ajudaram a múlti a encerrar os nove primeiros meses de seu atual exercício, em 28 de fevereiro, com vendas globais consolidadas de US$ 92 bilhões e lucro líquido total de US$ 1,6 bilhão, 13% maior que em igual intervalo do exercício anterior.
Os patamares mais elevados das cotações internacionais dos grãos no primeiro semestre do ano passado colaboraram para a elevação da receita da múlti no Brasil em 2014, enquanto a posterior queda dos preços beneficiou as margens de processamento de produtos como soja e milho. “Mas os números também mostram que nossos investimentos estão dando frutos”, afirma Pretti.
Além dos aportes em logística no Pará, o presidente da subsidiária brasileira realça que estão sendo aplicados R$ 240 milhões na ampliação da unidade de processamento de soja de Três Lagoas, em Mato Grosso do Sul, e lembra que foram concluídas as expansões das plantas de Mairinque, em São Paulo, e de Itumbiara, em Goiás, que fortaleceram a oferta de óleos vegetais especiais da empresa. Esses óleos são vendidos no país com as marcas Liza, Purilev e Mazola.
Na lista de Pretti também constam os cerca de R$ 450 milhões empregados na primeira biorrefinaria de processamento de milho da Cargill no país, inaugurada em 2014, e a ampliação, por R$ 15 milhões, da capacidade da linha de ácido cítrico da fábrica de Uberlândia, em Minas Gerais. O ácido cítrico é fornecido para clientes dos setores de alimentos, bebidas e limpeza, entre outros.
Outras duas iniciativas importantes da companhia ganharam forma no ano passado: a primeira foi a criação da trading de açúcar Alvean, joint venture dividida em partes iguais com a Copersucar; a outra foi o estabelecimento da SJC Bionergia, em parceria com a USJ, que está desenvolvendo um projeto de R$ 160 milhões para a produção de etanol a partir do milho em Quirinópolis, em Goiás. Na SJC, Cargill e USJ têm participações de 15% cada e os 70% restantes estão nas mãos da Finep.
Entre os diversos projetos que fazem parte do plano bienal de investimentos da Cargill no Brasil, o que tem exigido menos aportes é considerado um dos mais estratégicos. Segundo Solange Ferreira, controller da multinacional na América Latina, com o Centro de Serviços Compartilhados situado em Uberlândia, Minas Gerais, a companhia está concentrando quatro grandes funções no Brasil: financeira, compras, informática e recursos humanos.
“O objetivo é melhorar nossos processos e ganhar eficiência”, diz Solange, que está há 29 anos na Cargill e foi a primeira mulher a trabalhar na área financeira da companhia no Brasil. Já trabalham no centro mineiro cerca de 100 funcionários, número que deverá crescer para 250 até o fim de 2015. E essa otimização ganha peso em tempos de queda dos preços das principais commodities movimentadas pela empresa e das muitas incertezas que cercam a economia brasileira.
Os efeitos dessa conjuntura mais adversa já começaram a aparecer. Segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex/Mdic), as exportações da Cargill a partir do Brasil renderam US$ 791,3 milhões no primeiro trimestre deste ano, 20,5% menos que em igual intervalo de 2014. Parte dessa queda será compensada com o aumento dos volumes de grãos embarcados, já que, de janeiro a março, a disponibilidade de soja era mais baixa por causa de um atraso na colheita e a greve dos caminhoneiros em fevereiro também prejudicou o fluxo de escoamento. Mas, por outro lado, nada indica que os preços vão subir de forma expressiva ao longo dos próximos meses.
Pretti também reconhece que o consumo de produtos mais sofisticados no varejo doméstico já não é mais o mesmo, uma tendência que não era observada em 2014. Mas, segundo ele, o cenário não é tão grave a ponto de reduzir a importância do Brasil no tabuleiro global da multinacional americana.