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Cana e crise na pecuária fazem gado migrar para MS

No momento em que o Brasil se consolida como o maior exportador de carne bovina do mundo, a pecuária de corte passa por uma de suas piores crises, desencadeada principalmente pela superoferta de animais e conseqüente queda na remuneração paga pela indústria.

De outro lado, os custos de produção subiram entre 27% e 30% e o consumo per capita no Brasil permanece estável, em 36 quilos/ano. “O rebanho cresce numa velocidade maior que o consumo, o que aumenta a oferta e força os preços para baixo”, afirma o presidente do Siran (Sindicato Rural da Alta Noroeste), Fernando Cazerta Aguiar.

O rebanho brasileiro, que em 2003 era estimado em 189,1 milhões de cabeças, saltou para 192,5 milhões em 2004 e, para este ano, a estimativa é de chegar aos 195,5 milhões, aumento de 3%, segundo dados do Fórum Nacional Permanente da Pecuária de Corte, ligado à CNA (Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária).

Enquanto a população bovina cresceu, o valor da arroba do boi gordo caiu — era cotada a R$ 60,50 na região Noroeste de São Paulo em janeiro do ano passado e, hoje, caiu para R$ 58,00, redução de 4%. Hoje, a margem bruta do produtor de São Paulo está negativa em 6,8%, levando em conta o custo operacional da atividade, segundo a CNA.

RELAÇÃO DE TROCA – Com a queda no valor pago pela arroba, a relação de troca do produtor para a compra de insumos piorou cerca de 4%, segundo dados da CNA/Cepea/USP (Confederação da Agricultura/Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Universidade de São Paulo). Em janeiro de 2004, o pecuarista precisava de 1,65 arroba para a compra de 400 metros de arame farpado. No mesmo mês de 2005, eram necessárias 2,17 arrobas para adquirir a mesma quantidade do insumo.

Na reposição, a relação de troca dos pecuaristas também piorou, segundo a CNA/Cepea/USP. Mesmo com a estabilidade do preço do bezerro em R$ 373,00 desde outubro de 2004, no estado de São Paulo, o poder de compra do pecuarista de recria e engorda caiu 2,62% de dezembro de 2004 para janeiro de 2005, acompanhando o recuo das cotações do boi gordo. Em dezembro de 2004, 6,24 arrobas compravam um bezerro nelore de 8 a 12 meses em São Paulo. Em janeiro, a mesma compra saía por 6,4 arrobas.

A crise no setor está levando produtores da região de Araçatuba a buscar alternativas para agregar valor à atividade agropecuária. É o caso do pecuarista Herbert Spencer Carranca, de Andradina, que transferiu a sua criação de gado de Nova Independência (SP) para Camapuã (MS).

Em sua propriedade no território paulista, o produtor vai plantar três mil hectares de cana-de-açúcar em parceria com uma usina produtora de açúcar e álcool. “Não compensa mais criar gado no estado de São Paulo porque a relação custo/benefício é inviável devido ao alto preço da terra”, justifica.

Na ponta do lápis, o produtor calcula que a pecuária agrega 1,5% ao ano sobre o valor do patrimônio (terra, gado e insumos), enquanto a cana acrescenta entre 5% e 7% ao ano.

MIGRAÇÃO – Em um ano, o rebanho bovino da região foi reduzido em 5.994 cabeças, o que segundo o assessor da diretoria do Siran, Ernesto Trentim, é reflexo do deslocamento do gado de SP para o MS. Em novembro de 2003, haviam 259.267 animais nos 18 municípios de abrangência da Cati Regional (Coordenadoria de Assistência Técnica Integral) de Araçatuba. No mesmo mês de 2004, o plantel da região baixou para 253.273, redução de 2,3%.

A migração do gado do estado de São Paulo para o Mato Grosso do Sul está refletindo nas leiloeiras da região Noroeste, que contabilizam em 40% a redução de oferta de gado de corte nos últimos cinco anos. “De Lins a Castilho, divisa com o Mato Grosso do Sul, as fazendas que desenvolviam a pecuária agora são de cana”, afirma Alessandro André, responsável pela área comercial da Central Leilões.

Por conta da redução da oferta, segundo André, hoje são realizados menos leilões, mas com mais animais e maior qualidade dos lotes ofertados. Além disso, o número de remates no Mato Grosso do Sul, próximo onde o gado está, cresceu.

ORGANIZAÇÃO – A crise da pecuária de corte se arrasta há quase 16 meses, mas se acentuou nos últimos 60 dias, segundo o analista de mercado Sérgio Galiano, proprietário da Lucra Corretora, de Araçatuba. Isso ocorreu principalmente devido ao veranico de fevereiro, que forçou os pecuaristas a desovar os bois e provocou o crescimento da oferta de animais para o abate.

Em função das dificuldades, a classe produtora passou a se organizar e a buscar alternativas para superar ou atenuar os efeitos da crise. No final do ano passado, surgiram no País novas associações de produtores com essa finalidade. Em Araçatuba, um grupo de 90 pecuaristas fundaram a Abrapec (Associação Brasileira da Agropecuária). A entidade desenvolve ações para melhorar a rentabilidade dos produtores por meio de negociação com frigoríficos. Para discutir os problemas enfrentados por parte da cadeia produtiva da pecuária de corte, federações da agricultura têm realizado eventos em várias partes do País.

Hoje, a Faesp (Federação da Agricultura do Estado de São Paulo) promove em Araçatuba um encontro no recinto de exposições Clibas de Almeida Prado, a partir das 9h. Na pauta, estão a ação contra os frigoríficos por formação de cartel — a CNA protocolou no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) denúncia contra frigoríficos suspeitos de cartelização –, e a discussão de soluções à crise do setor.